Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

23 de Março, 2018

Pedro Inock

Pedro Inock tem nome de artista e é um artista visual português («Calhou bem para a área em que estou.»). Aos 18 anos saiu de Viseu e foi viver para Lisboa. As suas criações –  em pintura, instalação, videoarte, performance, entre outras -  têm como núcleo a consciência humana e a memória, como um lugar privilegiado e, sobretudo, sem quaisquer necessidades de tempo e rejeição, num jogo de espaços. 

 

Inock é formado em arquitectura, pintura e ilustração. Foi autor de ensaios críticos como um aprendiz do mundo e das suas culturas. Trabalhou em residências artísticas e colaborações que mais tarde esperava que lhe trouxessem maior perspectiva do "fazer" e um efeito diferenciador. 

 

Durante 6 anos viajou regularmente para culturas e cidades opostas da sua realidade em busca de inspiração em diferentes formas e seres. Começou a criar arte, consciente daquilo que é partilhado por todos, um trabalho onde as coisas se vêem, das entranhas,

 “a broader scope, that allows the process to develop a meaning far bigger than the final result”.

 

O Pedro tem voz de actor de cinema, já lhe disse. 

 
"Quando surge um horizonte muito longe ele funciona sempre, como o outro lado do espelho, ou o lugar que está para além do terraço ou da janela. A/parecendo fora, as figuras estão sempre, sempre dentro." (HM, JLP) 

 

01.jpg

  ©Martina Tzvetan

Espaços VS Janelas?

Pedro: Espaços. É a forma do sentido externo, é Intuição pura.  Aqui é onde eu materializo movimento, onde a acção se desenrola e a experiência se torna possível. É a ideia que precede o lugar, onde existimos

 

Amor VS Crítica?

Pedro: Amor. Configura-se visceralmente, racionaliza-se na felicidade, compreende-se na dor. A escolher entre crítica e amor, a decisão é instintiva, ainda que hoje veja o amor de uma forma muito empírica, mais como uma construção e menos como uma explosão. É a razão última pela qual faço o que faço, acaba por ser um elemento em permanente e elíptico movimento na minha vida.  Sinto-me tentado a fazer uma dura crítica ao amor...

 

Abundância VS Incandescência?

Pedro: Incandescência. Catarse, transcendência.  Apoteose.

 

‘De fora para dentro’ VS ‘De dentro para fora’?

Pedro: "De fora para dentro". Aqui a escolha é pendular, dependendo muito do estado de espírito em que estou a dado momento, e compreende-se se reformular o "de fora para dentro" para "do todo para parte".  Gosto de me ver como uma parte do todo e construir-me dessa forma, acho a ideia bastante menos absoluta e compreensivamente mais democrática que considerar que há um exterior, que só o é porque eu na minha intimidade possuo o interior. Mas é como referi, pendular. E tem muito que ver com construção e formação, ideologia, consciência, relações e sinapses. Hoje, é do todo para a parte, de fora para dentro, amanhã... 

 

Retrospectiva VS Futuro?

Pedro: Retrospectiva.Vivo muito intensamente o passado, vivo-o em cada decisão que tomo e em cada passo que dou. Por um lado, gosto de ver a retrospectiva como uma ferramenta, um instrumento pérfido com vontade própria. Por outro, uma oportunidade de percorrer experiências sem uma ordem pré-definida. É um processo muito sensorial e selectivo, onde o que é objecto de retrospecção é o que decidimos de uma forma ou outra manter. Tem este poder, acho.

 

Obra VS Vida?

Pedro: Obra. É difícil a escolha, mas faço-o de uma forma muito simplista (mas não redutora) e pergunto : Obra e vida, não serão parte, uma e a mesma coisa ? Acredito que se a edificação da obra for feita de forma honesta, se dissipe a ideia que apenas a obra continua mesmo para além do fim da vida, dando lugar à vida para além de si própria, levando-a consigo, adicionando-a à memória colectiva. (Aqui penso em todos, não apenas nas figuras que se distinguiram ao longo dos tempos, pois para esses a eternidade já está garantida.) Por outro lado, obra é trabalho, é conjunto de trabalhos, é realização. No meu caso é quem eu sou, está ali diante de todos, e uma vida não se resume a uma obra.

 

Sem Título VS Com título?

Pedro: Com Título. Com toda a subjectividade considerada, prefiro Obras com Título, e pessoas sem título(s).

 

02.jpg

   ©Martina Tzvetan

Silêncio VS Sentidos?

Pedro: Silêncio. Estrutura, conforto, necessidade. O meu interior, o meu referencial, é demasiado desestruturado, o silêncio confere-lhe sustentação, permite que as partículas que pairam, assentem.  É onde o meu processo criativo começa.

 

Tela VS Fotografia?

Pedro: Tela, neste contexto de confronto com fotografia, vejo como objecto. No entanto a tela é a possibilidade de representar algo, é matéria em bruto da qual o mundo, um Mundo, pode emergir. É sempre a possibilidade de algo, mas que fisicamente possui limites. Se esses limites regem ou contêm a imaginação e representação por um lado, por outro talvez seja uma proposição necessária, imagino...

 

Movimento VS Conceito?

Pedro: O movimento para mim é central, transcende qualquer conceito (se este não pretender na sua natureza ser estático e imutável), é o cariz das coisas, é mudança, mesmo na sua - temporária - ausência. Trabalho muito este tema na minha obra, sobretudo a forma como - em vídeo - o movimento é criado por uma sucessão de fotogramas ( técnicamente ausentes de movimento ). Dele depende o mundo e o Homem, ajuda-nos a ver a mudança e o tempo a acontecer, é magnético e hipnótico na sua génese. 

 

Patchwork VS Darwinismo?  

Pedro: Escolho Darwinismo, pois apesar de não ser versado em genética, hereditariedade ou evolução, vejo esta ideia como sucessão, como melhoramento. Patchwork faz-me sempre lembrar o monstro de Frankenstein, onde os retalhos e pedaços formam um todo, mas estão ali, visíveis e cosidos. É um pouco a ideia de criar uma escultura de uma figura humana com ferramentas de ferro soldadas umas às outras, ou derreter as ferramentas e usar um molde para criar a dita obra. Sei que estou a fazer uma comparação bastante rebuscada, pois darwinismo não é, de longe apenas um "novo uso" a algo antigo, obsoleto, disfuncional. É um conceito que para mim ombreia muito com o conceito de adaptabilidade. E que faz o ser humano que não adaptar-se constantemente.

 

Preto VS Cor?

Pedro: Preto, como cor. Preto como conforto, neutralidade, absorção e distanciamento ( até porque não é uma cor primária, secundária ou mesmo terciária ). Vejo esta cor como análise e exploração de forma, textura. Tento afastar-me das suas conotações sociais, mas não guardo reservas quanto ao seu impacto psicológico na mente humana. Preto sobretudo, mas não só, pois não é apenas uma cor estática e assume imensas subtilezas dependendo da forma como é usada, e se a mesma é por adição ou subtração -luz ou pigmento-. Dou na minha obra, preferência a esta cor não só por tudo o que referi mas também por influências caravaggescas de contrastes (onde o uso do preto/sombra é sublime), influencia esta que tomo como base na modelação ( representação estética) e exploração de corpo, espaço ou atmosfera, mas também assumo que teria mais dificuldade se esta escolha fosse entre Preto e Azul (ou outra qualquer cor do espectro visível).

 

Social VS Política?

Pedro: Social sem dúvida, não me coaduno com a presente forma de "fazer" política, nem forma política de agir e pensar o individuo e a sociedade. Talvez porque quem a faça, passe pouco tempo - e de uma forma integrada - na realidade concreta da sociedade.

 

 

Lugares VS Dicionários?

Pedro: Lugares. É uma ideia que exploro há bastante tempo, e que me é muito próxima pela relação que preciso de criar - onde estou - para sobreviver e trabalhar. Sei que ficará muito por dizer nesta escolha, mas os Lugares são espaços, são sítios e realidades com a capacidade de edificar memória. São imensa coisa, são história e tempo também, são por vezes memórias que não são nossas e que apropriamos, são aquela fotografia que vemos e a ideia que construímos de sítios distantes onde nunca estivemos, são poesia e imaginação. É onde o homem existe e se concretiza, é o sagrado, acima da terra e abaixo do céu.  Para o Homem é muito importante (vital até) ter ancoragem existencial, e daí a compreensão que a necessidade de construir sítio reflecte o desejo de fazer lugar.

 

Medo VS Figurativismo?

Pedro: Medo. Se o meu trabalho começa - como referi - no silêncio e nesse conforto do vazio, é no movimento constante que sobrevive e se materializa. O movimento aqui é crucial, pois impede o processo criativo de sucumbir à força extrema da gravidade que o medo imprime. Aqui a comparação entra no campo da astronomia, o medo pode bem ser um sol, que nos mantém alerta ( pelo perigo da aproximação), e que nos pede um movimento perpétuo, em torno do mesmo, em ordem a sobreviver.  Assim a obra ou o fazer da obra, apenas sobrevive se a criatividade não abrandar o seu movimento, e é em torno deste sol que orbitam quase todos os pontos importantes da minha vida.

 

 

03 (1).jpg

  ©Carolina Rodrigues

 

Alusão VS Abraços?

Pedro: Alusão. Na realidade a minha escolha é a segunda, é "o que contém o abraço", alusão a uma música de José Mário Branco, onde o autor canta : "...uma vida mesmo vida só pode ser um espaço que está dentro de um abraço que se dá ou não se dá."

 

Construir VS Desconstruir?

Pedro: Desconstruir. É o momento (e aqui tomo uma abordagem muito Freudiana) em que nos apercebemos que vivemos em sociedade e nos relacionamos com outros, depressa começamos a lapidar a imagem que temos de nós próprios. Mas em termos de obra, para mim, - e com bastante tacto - é a tentativa de alcançar a essência, captar o sublime. Talvez... 

 

Instinto VS Conforto?

Pedro: Instinto. Sou mais instintivo que gosto de admitir. Não fosse a premissa destas respostas, a sinceridade, escolheria conforto, pois é algo que me faz falta a vários níveis. Mas não vejo o instinto como espontaneidade, como algo positivo, mas como adversidade, explosão e reacção.  

 

Fôlego VS Sonhos?

Pedro: Fôlego. É o espaço entre afectos, de qualquer ordem.

 

Refúgio VS Retorno?

Pedro: Refúgio. Pessoalmente, um retorno é sempre um percurso, que nem sempre culmina em, ou tem como paragem um abrigo. O refúgio é um Lugar, onde o conforto predomina, onde - e no meu caso- o silêncio existe.

 

Obrigado, Pedro.