Márcia Borges
A Márcia está a terminar o curso de Teatro e Educação em Coimbra e é actriz na Associação Cultural - Contracanto (Lapa Do Lobo).
Fez parte do projecto “Enquanto os Lobos Uivam”, produzido em colaboração com O Teatrão; peça encenada pelo António Fonseca e Pedro Lamas, inspirada na tragédia dos incêndios de 2017.
Oliver!, Grease, Fame, Les Miserables, Um Violinista No Telhado, Jesus Cristo Superstar, Aristides - O Musical (Original de Sandra Leal e António Leal) são alguns palcos que fazem parte do seu currículo teatral desde os onze anos de idade, todas as peças encenadas pelo António Leal.
Escreveu o conto “A Escola DentaLer” publicado na antologia "Nas Bocas Do Mundo".
A música é uma grande paixão, tem o 5°grau em clarinete.
©Arquivo Pessoal
Rua VS Redes Sociais?
Rua. Li na semana passada um texto que resumia plenamente a minha infância e no qual se referia a importância da rua para a minha geração. Grande parte das memórias da minha infância são isso mesmo; horas passadas a andar de bicicleta, a magoar os joelhos nas pedras da calçada ou a usar pedaços de casca de pinheiro para desenhar no alcatrão as marcas do salto em comprimento ou os números da macaca. Acredito que para percebermos para onde corre o mundo, devemos olhar para as crianças. E se as olharmos hoje, é inevitável perceber para onde caminhamos. Não desprezo de todas as redes sociais/tecnologias mas há coisas que elas não substituem. Ainda hoje, por exemplo, não consigo ler um livro online ou estudar através de um guião em suporte digital... Eu sei que há momentos que só a minha rua guarda... Para sempre!
Escrever VS Livros?
Escrever. Sendo a escrita uma das minhas paixões, acabo por ficar demasiado presa ao meu próprio estilo de escrita e a ter, a meu ver, pouca abertura ao que seja diferente do que estou habituada. Adoro livros - o cheiro, a sensação do folhear das páginas-, adoro ler, mas o que leio é muito próximo aos meus gostos de escrita. Portanto, entre correr o risco de ler algo que possa vir a não gostar, e entre escrever, prefiro jogar pelo seguro e escrever o que considero que gostaria de ler.
Poesia VS Saudade?
Acredito que a saudade é na verdade uma forma de guardar todos os momentos passados com gratidão. Afinal, cada momento do qual sentimos saudade - bom ou mau - foi um passo a mais para criar o que chamamos de "Presente". E o nosso "Presente" nada mais é que um momento do qual sentiremos saudade no futuro. Tenho saudade de quase tudo, mas não tenho vontade absolutamente nenhuma de voltar atrás no tempo e fazer algo de forma diferente. Esse não é o meu tipo de saudade. Acredito que não existem escolhas erradas. Cada escolha que fazemos acabará por se mostrar certa para a nossa própria vida. Tenho saudades do que vivi, das pessoas que já não tenho, mas tenho muito mais vontade de conhecer o que me espera e de encontrar tantas outras pessoas que ainda cruzarão o meu caminho.
História VS Estória?
História, por mais hipotética que seja a situação, terá obviamente que ter sempre uma réstia de verdade. Além disso, a imaginação é sempre criada sobre o real e parte sempre dele. As situações que imaginamos partem sempre de uma situação real, quase sempre como uma forma de comparação a essa mesma situação real. A imaginação acaba por ser, uma realidade fantasiada, mas nunca totalmente falsa.
Música VS Teatro?
Teatro. Em todo o meu percurso pelo Teatro, rara foi a vez em que ambos não estiveram associados. A música tem um grande impacto na minha vida. Acordo com música, estudo com música, cozinho com música, escrevo com música. E é impossível descartar os anos que estudei música e a enorme aprendizagem que ela me trouxe. Mas a escolher uma paixão escolheria sempre o Teatro. É-me difícil explicar o porquê de o ter escolhido como a minha arte. Vivo-o todos os dias em todos os momentos que existo. Através do teatro experimento o que sei que nunca experimentei antes de ele existir na minha vida. Desde os meus quatro anos que fazia teatros para os meus peluches, algo absolutamente normal para uma criança dessa idade, mas acredito que a verdadeira intenção sempre foi poder expressar aos outros através desta forma de arte que realmente sou .
Lugares VS Pessoas?
Pessoas. Na minha perspectiva são as Pessoas que fazem os Lugares. Voltando um pouco atrás, referindo a rua onde cresci, ela não é uma recordação isolada. Com ela vêm a Vânia, o Ricardo, o João, a Micaela, o Nilton... enfim, cada um dos que comigo partilhou qualquer brincadeira naquele Lugar... Pessoas que têm e terão sempre um significado especial na minha vida por terem partilhado comigo aquele lugar, também ele especial.
©Arquivo Pessoal
Humor VS Amor?
Amor. Nada se faz sem Amor. O Amor é a dedicação, o carinho, a gratidão, o trabalho que empregamos em algo que fazemos ou que oferecemos a alguém de quem gostamos. Só se vive e existe com amor. E o Amor é uma espécie de ciclo vicioso já que depositamos todo o nosso Amor a amar algo ou alguém.
Felicidade VS Acaso?
A Felicidade nada mais é que uma sucessão de acasos, no meu entender. Acredito, por outro lado, que o Acaso não existe. O Acaso é a própria vida a viver-se. "Encontrei hoje, por Acaso, o José" ; para mim isto não é um acaso. Eu encontrei o José porque hoje decidi levantar-me da cama e ir às compras ao mercado, assim como hoje, também o José decidiu ir às compras ao mercado, em vez de ficar em casa a ver a série que está quase no fim. Se hoje o José tivesse escolhido a série, por acaso, teria visto o último episódio, assim sendo, tem de o deixar para amanhã. O que quero dizer com isto é que o que consideramos Acaso, nada mais é do que as escolhas que fazemos a cada segundo para vivermos.
Às vezes VS Talvez?
Talvez. Por vezes é necessário não nos esquecermos de que são alguns "Talvez" na nossa vida que nos fazem ir por onde vamos. "Talvez pudesse ter feito isto ou aquilo." Temos é que aceitar que o Talvez é em verdade, uma palavra que nunca saberemos definir se insistirmos de usa-la no nosso vocabulário. Já que o "Talvez" implica que existam no mínimo duas opções por ele divididas. Uma delas será a escolhida e por isso a vivida. A(s) outra(s) não sendo escolhidas, não serão vividas e por isso nunca serão "decifradas". Eu prefiro, por exemplo, dizer "Fiz" em vez de "Se tivesse feito, talvez". Faz toda a diferença.
Coração VS Mente?
Mente. Lamento desiludir os iludidos desta vida mas tudo se restringe à Mente. Já que é ela que "comanda", as emoções e os sentimentos que tantas vezes associamos ao Coração. Acredito que temos a definição de Coração que temos porque muitos sentimentos e emoções que temos são de tal forma física que sentimos que é dele que eles surgem.
Raízes VS Liberdade?
Raízes. As minhas Raízes serão sempre de onde e de quem vim. Desde a tal rua das memórias, os meus pais, o meu tio Zé, que guardo sempre com um carinho maior que o mundo, o pão com açúcar da avó Patrocínio, ou os livros do avô Aníbal, os almoços da avó Mila, a bicicleta do avó Zé, os verões com o primo Nilton, as guerras com o primo Ricardo... Todas estas recordações são as minhas raízes. São o que me fazem prezar a minha Liberdade e dar-lhe o devido valor. Porque ser livre não é só podermos ir onde queremos chegar. É saber que nos foi permitido chegar até lá de forma a trilharmos o nosso próprio caminho com as nossas pessoas, as nossas memórias e isso sim é a maior liberdade que podemos ter.
Tolerância VS Preconceito?
Tolerância. Não tento, com esta resposta, ser politicamente correcta. Mas que é verdade que é de Tolerância que o mundo hoje carece, lá isso é. Considero-me uma pessoa tolerante. Tanto em relação a raças, cores, orientações sexuais e tantos outros assuntos que, não percebo bem porquê, se tornaram "polémicos" ou "indiscutíveis", quanto no que diz respeito à paciência com que tento levar as situações diárias da vida, tentando ser tolerante e não tomar decisões demasiado precipitadas. Dando o meu máximo por tentar ser sempre Tolerante e Ponderada.
Medo VS Sossego?
Medo. O Medo faz-nos mover, nem que seja em direção ao sossego. Faz-nos ter vontade de deixar de ter medo, faz-nos lutar para sair desse estado. Eu temo o sossego. Temo-o porque tanta gente o associar à inércia. Entre escolher o medo ou o sossego, escolho ter medo de que o sossego um dia me sossegue demais.
Hoje VS Amanhã?
Hoje. O Amanhã ainda não existe, mas será sem sombra de dúvida uma continuação do que decidimos escolher fazer hoje.
©Arquivo Pessoal
Elogios VS Palmas?
As palmas são, no fim de um espetáculo, o resultado do trabalho que dedicamos durante aquele determinado tempo ao público. É como se as palmas fossem a avaliação deles ao nosso trabalho. Assim sendo, as palmas acabam sempre por ser elogios à nossa arte.
Perfeito VS Imperfeito?
Imperfeito. Não considero que exista no mundo alguma coisa verdadeiramente perfeita. O Perfeito nada mais é que uma ilusão que a sociedade nos implementou. Uma forma de sermos constantemente insatisfeitos com as mais diversas situações da vida.
Aventura VS Espontaneidade?
Aventura. Para mim estão ambas bastante ligadas. O viver já é uma aventura. Não sabemos o que nos espera, como vamos lá chegar ou quem encontraremos na viagem. Por outro lado, espontaneidade é a forma como escolhemos muitas vezes viver a Aventura.
Visão VS Tacto?
Visão. Guardo pessoas, guardo lugares, memórias e recordações que sei que só através da Visão as recebi. Não digo que a Visão seja o sentido mais importante. Mas para mim é o que me permite observar e considerar o mundo à minha volta. E agradeço todos os dias o facto de, poder ver os rostos dos que são meus. Cada dia sou mais feliz por poder ver, por exemplo, o crescimento dos meus sobrinhos, que têm um papel importantíssimo na minha vida.
Inícios VS Finais?
Inícios. Para mim a vida e feita só de Inícios. Cada um de nós, ao longo do tempo, é que vai decidindo sobre os fins. Se deixamos um amor acabar, se deixamos um momento acabar, se deixamos uma pessoa acabar. Nós decidimos. Eu, nunca deixei ninguém acabar. E, apesar de existirem inevitavelmente finais físicos, eu escolhi nunca lhes dar o mesmo significado que um início lhes deu.
Ideologia VS Identidade?
Identidade. A Identidade é o que nos define como seres humanos. Ninguém é igual a ninguém. Já no que diz respeito às ideologias, elas podem ser partilhadas por várias identidades diferente. Podemos partilhar as nossas ideologias, mas não podemos nunca partilhar a nossa identidade. Mais do que tudo considero que não devemos nunca esquecer, isso sim, que somos a nossa identidade, não as nossas ideologias.
Obrigado, Márcia.