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Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

17 de Abril, 2020

João Galrão

Por Amaro Figueiredo 

"SURPRESA MINHA TODAS AS PEÇAS EXPOSTAS

TINHAM SIDO VENDIDAS ANTES DA EXPOSIÇÃO INAUGURAR"

 

João Galrão vive e trabalha em Lisboa. Estudou no Ar.Co, onde concluiu o Curso Avançado de Artes Plásticas.

A sua obra esteve exposta na galeria Graça Brandão (Porto), Hammer sidi (Londres), Agência Vera Cortês Art (Lisboa), Casa Triângulo (São Paulo) e The Chemistry Gallery (Praga).

Desde 1996 tem participado em várias exposições colectivas, incluindo a Exposição de Estudantes do Ar.Co (1999, 2000 e 2001), O Quarto do Collector,  Salon de Montrouge 48ème (European Jovens Criadores Salon), Galeria Luis Adelentado e como comissário e um dos artistas intervenientes no projecto "Afrontamentos" e mais recentemente na Colectiva Self - Destruction Poetry no Instint #5 em Berlim.

Há poucas semanas, inaugurou na Galeria António Prates,  a exposição individual “Singularities” com a curadoria de Rui Afonso Santos, por causa da pandemia do novo coranavírus foi adiada.

 

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©JG

DES: O que mais te inspira e porquê?

João Galrão: A natureza e a espiritualidade. A natureza pelas suas formas orgânicas e como reflexão do nosso lugar neste mundo e a espiritualidade, sem entrar em religiões, pela sua capacidade de nos elevarmos como espécie, e também pelo questionamento e sentimento da presença do sagrado e a sua contemplação, em algumas peças exploro esta questão. Sendo necessário uma atenção como as peças são colocadas no espaço, para que elas possam respirar e serem devidamente apreciadas.

 

DES: Qual é a parte mais fácil e o maior desafio de uma obra?

João Galrão: A parte mais fácil é inspirar-me e pensar numa peça e no seu conceito, depois o desafio é a conseguir criá-la e projectá-la como a pensei. Algumas delas são um bocado demoradas na sua concretização, um processo bastante físico, para o qual é necessária alguma persistência, mas para compensar gosto de criar outras, em que são o oposto, a sua criação demora pouco tempo e os resultados são quase imediatos.

 

DES: Qual foi a maior aventura  que te aconteceu num dia de exposição?

João Galrão: Talvez tenha sido logo na minha primeira exposição individual na Galeria Graça Brandão, em 2003. Por surpresa minha todas as peças expostas tinham sido vendidas antes da exposição inaugurar, tendo deixado alguns coleccionadores furiosos por não conseguirem comprar nada no dia da sua abertura. O que me deixou bastante satisfeito, não só porque toda a gente falava nela mas também porque fiquei nesse ano com umas 15 encomendas por realizar, outros tempos que não voltam mais.

 

DES: O que podemos esperar de um projecto em que estás a trabalhar?

João Galrão: Actualmente inaugurei a minha exposição individual “Singularities” na Galeria António Prates com a curadoria de Rui Afonso Santos, mas foi uma relação meio agri-doce, encerrou uma semana depois devido à pandemia actual do Coronavírus. Também devido a este problema mundial e da cultura estar praticamente parada estou a colaborar com algumas plataformas digitais ligadas à arte e  a seu tempo as revelarei. Também estou a colaborar com uma colectiva ainda sem data marcada na Associação RA100, em Lisboa, sobre o tema actual desta pandemia.

 

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DES: Qual o trabalho que mais gostaste de fazer até hoje?

João Galrão: Um dos trabalhos que me deu mais satisfação fazer foi a série chamada “After hours” em que usava e uso – ainda pretendo continuar –  tampas de plástico, não só devido à pertinente questão da reciclagem mas também porque envolvia terceiros, pois pedi a vários amigos para as ir recolhendo, sendo isso uma atitude ecológica e que envolvia a comunidade local, mexendo com as pessoas e alertando-as para a necessidade consciente deste problema, fazendo-as tornar-se parte da criação da obra.

 

DES: Como é feita a valorização – preço –  de uma obra de arte?

João Galrão: Esta é uma questão sensível e por vezes refilo nas redes sociais, mesmo levando na cabeça. Acho que é o mercado que dita este valor e o poder de compra dos coleccionadores, e a cotação que as galerias dão. Por vezes é ingrato, sobretudo na escultura, são meses a trabalhar e depois comparando com o que recebo não corresponde ao trabalho que tive. Daí estar mais virado para o desenho em papelão, em que são dois ou três dias de trabalho e ganho quase tanto por uma escultura que demora meses, às vezes um ano. Claro que continuo a fazer escultura, mas actualmente só acabando algumas encomendas que tive e pouca obra nova, original.

 

DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje?

João Galrão: A coisa que mais me marcou até hoje foram os comentários a dizer que tornei a vida das pessoas mais feliz e o mundo menos cinzento, este tipo de comentários que vou recebendo enche-me de alegria e faz-me continuar, sentido-me mais útil neste planeta. Às vezes penso que devia estar a fazer outra coisa mais benéfica para a vida das pessoas, mas depois com estes comentários faz-me perceber que a arte é tão importante como comer ou outros bens essenciais nesta vida.

 

DES:Tens algum talento escondido?

João Galrão: Tenho alguns (sorri) mas talvez o mais pertinente seja uma sensibilidade aos campos energéticos, não propriamente “falar com os mortos” mas a uma capacidade de captação de energias das pessoas e dos ambientes, o que tento em alguns casos canalizar para a minha obra, e também a uma capacidade de ouvir o outro e o tentar ajudar, talvez uma característica mais humana do meu ser.

 

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©JG

 

DES: Que importância tem o nu ou o erótico no teu trabalho? Na tua vida?

João Galrão: A minha obra encontra-se numa fronteira ténue entre o sagrado e o profano, não só como artista mas também como performer. Desde os tempos do Ar.co ( Centro de arte e comunicação) em Lisboa e sobretudo depois de umas colagens em que usei o meu corpo como inspiração, tenho trabalhado nesta matéria, o que às vezes originou um incomodo para algumas pessoas mais católicas e me fechou algumas portas, mas abriu outras.

 

DES: Passaram alguns anos. A fantasia do elevador ainda se mantém?

João Galrão: Confesso que, devido a tantos disparates que digo, tive que voltar a rever a entrevista que dei na SIC sobre fantasias sexuais. Ainda se mantém até porque ainda não a concretizei (risos), esta afirmação saiu-me na hora sem pensar muito no assunto, talvez por influência em ter uma mãe empresária e costureira militar, saiu-me esta confissão, entretanto surgiram outras fantasias.

 

DES: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?

João Galrão: Tantas coisas, gostava de escrever um livro, uma letra para uma música, criar uma ONG, viajar até Nova Iorque e à Índia, gosto destes opostos, NY por ser uma cidade cosmopolita e a Índia pela sua espiritualidade e exotismo.

 

DES: Qual é o teu maior defeito?

João Galrão: Às vezes, ser um bocado rabugento e ter mudanças de humor, talvez por ser bipolar, não sei se devia confessar isso publicamente, mas para mim não é um bicho de sete cabeças e assim talvez ajude outras pessoas a encarar o problema de frente. Felizmente assumi esta questão e estou bem, sou medicado, mas perdi alguns amigos por não ter enfrentado o problema na altura.

 

DES: E o amor. O que é o amor?

João Galrão: O amor é um êxtase, uma entrega, paixão, pode ser por uma pessoa, um animal, um livro, um país. Às vezes é cego e  faz-nos sofrer, mas é bom ter esta sensação pois a vida sem ele não fazia sentido.

15 de Abril, 2020

Rosa Vaz

Por Amaro Figueiredo 

Rosa Vaz nasceu em Malange, Angola. Desde de cedo manifestou o gosto pela Arte: desenho, pintura, dança, música e poesia. É artista plástica, dedicando-se essencialmente à pintura. É também promotora cultural, ilustradora e escreve poesia. Pertence a vários grupos de promoção/divulgação cultural: Projecto Artáfrica da Fundação Calouste Gulbenkian; ACAPL (associação Cultural de Promoção da Cultural Portuguesa e Lituana; C. E. M. D.; Projecto Porlith; Rizoma (Guimarães).
Expõe desde há 30 anos e está representada em várias colecções.

 

O Amor é assim...

 
Não precisa de coisas caras
Nem de promessas fúteis
O Amor é de pele...
de suspiros...
de silêncios e luares
de passos lado a lado
sem espaços vazios e ocos
é paz, serenidade
olhares de cumplicidade
O Amor, recria cada cor
cada som, cada palavra
é o silêncio na gargalhada
compassada do coração

(continua no final da entrevista) 

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©RV

DES: Quando é que surgiu a vontade de pintar?

Rosa Vaz: A pintura é um estado de alma, nasce connosco, vive connosco, tal qual outra manifestação da nossa mente. É uma forma intrínseca de comunicar. Sem a Pintura não conseguiria ser eu própria!

 

DES: O que mais te inspira e porquê?

Rosa Vaz: A magia da vida. A simplicidade das coisas. O amor verdadeiro, pela vida e que dá vida. A magia que acende olhares e sorrisos, e que também nos faz chorar. Os pequenos detalhes da natureza que acorda e adormece; o silêncio, o mar. (pausa) A Magia do meu filho, de olhos doces, presente de sorriso pegajoso, a magia dos meus amigos fantásticos que estão sempre ao meu lado e me motivam e apoiam nos meus caminhos. Eles são a minha verdadeira família, a família de afetos, de amores, porque já sabemos que muitos parentes, não são a nossa família, só são parentes de papel. Transpor isso em tela é fantástico, é uma forma de comunicar as minhas viagens interiores por este universo.

 

DES: E como é o teu processo de pintura. Tens algum ritual? Não há horas para pintar, nem dias?

Rosa Vaz: A minha mente está sempre a criar, não vejo o mundo como vocês, tento sempre adicionar uma cor aqui ou ali, ou recriar lugares, momentos; quando tenho aquelas reuniões “chatas” onde não se aprende nada, ou almoços/jantares (pausa, sorri) daqueles que temos de ir, são oportunidades fantásticas para “pescar” detalhes à minha volta,  registar no meu book discretamente e divagar para uma criação no meu imaginário. Normalmente pinto temáticas, ou seja, se começo a fazer um quadro sobre o Abraço, surge uma série, e lá aparecem 10, ou 20 quadros sobre o abraço. Ando sempre com aguarelas, pinceis, papel, caderno de registos, canetas e lápis na carteira. Pinto em qualquer lado, a qualquer hora. Claro que muitos dos pequenos registos que faço diariamente viram telas pintadas mais tarde – quando chego ao sossego do meu atelier. Não há horas, há motivos, não há rituais, há motivação e alegria para deslizar as espátulas e os pinceis pelas telas e construir conversas coloridas de luz, cor e amor. O amor está sempre em tudo que faço.

 

DES: Qual é a parte mais difícil de uma obra?

Rosa Vaz: Tomar a decisão que está terminada. Às vezes apetece continuar, continuar, como se fosse um mural!!

 

DES: Qual o trabalho que mais gostaste de fazer até hoje? Porquê?

Rosa Vaz: Difícil de responder.  Vou destacar alguns momentos: a Exposição para a Expo 98, ilustração de livro, mural Cerâmico,num restaurante em Braga, a obra para Vilnius, num convite para participar na Comemoração do Dia de  África, a Exposição sobre o Amor e o Feminino,-CONVERSAS NO FEMININO- o ano passado, em Oliveira de Azemeis, o meu livro de poesia -PELE DE LUA-, uma homengem ao Amor, este ano - NO FEMININO - em Barcelos, na Galeria Municipal, infelizmente está suspensa devido ao coronavírus.

 

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©RV

DES: Qual foi a maior aventura que te aconteceu num dia de exposição?

Rosa Vaz: Foi no final de 2018, Novembro, tinha saído do hospital de uma cirurgia a um cancro de mama e fui inaugurar a minha 1ª Exposição Comemorativa dos meus 30 Anos de Carreira, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, mal me aguentava em pé, ainda levava um dreno de cada lado, tinha a sala cheia de sorrisos e abraços. Só meia dúzia de pessoas sabia a minha realidade, as outras, assistiram ao meu discurso e sorriso do costume, só estranharam que eu não desse abraços a ninguém, principalmente os mais pequenos que estão habituados a saltar para o meu colo, para roubar abraços e mimos.

 

DES: Tens algumas obras que não vendes? Por ligações sentimentais?

Rosa Vaz: Sim. Algumas não vendo, porque representam histórias do meu percurso. Gosto de me sentar a olhar para elas e viajar no tempo ao som da música.

 

DES: O que podemos esperar de um projecto em que estás a trabalhar?

Rosa Vaz: Podem esperar sempre muita alegria, muita cor e magia de diálogos intrínsecos, mas que se projectam na alma de quem o observa, com o olhar do coração e sensibilidade.

 

DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje?

Rosa Vaz: Ver alguém chorar frente a um quadro meu, de emoção, porque viu a vida dele no quadro. No final, comprou o quadro e ao longo dos anos virou colecionador da minha obra.

“A magia do seu traçado reporta-me para Vieira da Silva. Nunca deixe de pintar, nem perca esse sorriso mágico.’’

 

DES:  São importantes as raízes angolanas?

Rosa Vaz: São importantes, porque preenchem as minhas memórias de infância, com coloridos, vermelhos poderosos, o azul do mar, os olhares e sorrisos sempre grandiosos e brilhantes, que quase saltam dos rostos. Constroem diálogos sorridentes, de abraços sem tempo, correrias de tempo que deslizam entre os pinceis para contar histórias coloridas.

 

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©RV

DES: Eras capaz de deixar de pintar amanhã?

Rosa Vaz: Não. Impossível. Só se ficar em coma, doente! E mesmo assim, garanto que ao acordar pediria logo tintas e papel! (risos)

 

DES: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?

Rosa Vaz: Pintar um mural cerâmico numa rua.

 

DES: O que é o amor?

Rosa Vaz: O amor é a magia dos afetos que temos dentro de nós e que faz com que outros seres fiquem contagiados e acreditem que vale a pena partilhar sorrisos, abraços, vidas, carinho, momentos de felicidade. Quem não tem Amor próprio não consegue amar ou fazer-se amar.

 

DES: Qual é a tua relação com o tempo e com a escrita?

Rosa Vaz: Tento estar em paz com o tempo, pois como sou professora, pintora, escritora, promotora cultural, às vezes é difícil controlar o tempo. Mas com organização de tarefas vou conseguindo. Quanto à escrita, escrevo poesia, editei o meu primeiro livro de poemas - PELE DE LUA - pela Comemoração dos meus 30 anos na Arte.Escrever é pintar viagens interiores, só que, com palavras.A pintura e a poesia vivem lado a lado na minha criatividade...há poemas que me levam a pintar quadros, e há quadros que me levam a escrever poesia!

 

DES: Como vês o futuro da pintura?

Rosa Vaz: A pintura será sempre uma representação do estado actual das sociedades que determinam os estados de alma dos criativos.

 

O Amor é frágil...
precisa de cuidados
O Amor é Alegria de viver
O Amor é para quem acredita
quem luta pela Paz
O Amor é a pele
que sendo tua também é minha,
sendo minha é tua,
sendo nossa
é o olhar que sente
em cada pensamento
O Amor é um encantamento
suave, eterno, delicado
que cria pontes
no meio de tempestades
O Amor,não é para fracos...
O Amor, é assim...
um todo sem fim!!

Rosa Vaz 
13 de Abril, 2020

‘Method’ de Bang Eun-jin vs. ‘Dolor y Gloria’ de Pedro Almodóvar

Por Amaro Figueiredo 
Pastel Vintage Bike Facebook Cover (1).png©Divulgação|Universal Pictures

★★★★☆

Mas o que têm em comum estes dois filmes?

O amor através da própria história, baseado na infidelidade, na agonia e no êxtase, e fornece-nos uma descrição precisa do impacto causado pela traição do nosso eu.

Na verdade, tal é a persistência, as influências das memórias e a glória final  que, em ambos os filmes, as vidas são incompletas e competem com o ideal fantasiado do amor.

Bang Eun-jin ( Method, 2017) conseguiu uma visão de romance idealista, de uma felicidade frustrada e de troca de papeis no final, com um certo mistério de não-ditos e pensativo.  Trata o actor com medo e devoção heróica, explorando a sua forma de trabalho, os seus perigos e as influências sociais, com um pequeno escape para a ironia. O amor nunca será coerente.

Pedro Almodóvar ( Dolor y Gloria, 2019) sabe que o amor não pode ser mudado e o desejo por pessoas do mesmo sexo debilita-se por acção do próprio tempo, de fantasias, anseios ou deleites não-racionais. ‘Dor e Glória’ é um pico montanhoso entre as situações da vida real e de sonhos que nem sempre entendemos. O filme foi construído pela perspectiva de quando a nossa vida adquire outra intensidade extática, o nosso final. Há algo que espera por nós no futuro e com a certeza que nunca será o amor.

Os actores principais – Antonio Bandera (Dolor y Gloria, 2019),  Park Sung Woong e OH Seung-hoon (Method, 2017) – interpretam as suas personagens brilhantemente criando impulsos mágicos sobre o amor em nós, como poderíamos defini-lo.

13 de Abril, 2020

Ricardo Correia

Por Amaro Figueiredo 

Ricardo Correia é escritor, formado em Engenharia Civil, lisboeta e tem um paixão inquestionável, que une miúdos e graúdos, legos. Aproveita todas as oportunidades para fazer investigação histórica – outra paixão – que o estimulem a aprender coisas novas.

Em breve, irá lançar o último volume da trilogia “O Regresso do Desejado”* e está a preparar a sua adaptação para uma série de TV.   

*Corre o ano de 1578. Portugal treme com a notícia da derrota do exército em Alcácer-Quibir, frente às tropas do sultão marroquino. O desaparecimento de Dom Sebastião lança a incerteza sobre quem se segue no trono. 

Lançou (2017) “O Segredo dos Bragrança”, «um apaixonante romance que nos leva a conhecer a fascinante Casa de Bragança, desde os tempos da Rainha D. Catarina até ao reinado de D. Carlos e que mostra que a História como a conhecemos esteve muito perto de ser completamente diferente».

 

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©RC 

 

DES: Quando é que surgiu essa vontade de ser escritor?

Ricardo Correia: Mesmo a sério, penso que por volta de 2013. Até então, tinha sido sempre um bom aluno na disciplina de Português, sempre gostei de ler. Tive várias professoras durante os anos do ensino Preparatório e Secundário que incentivaram à leitura, e recordo-me particularmente por volta do sexto ano de escolaridade, de uma professora de Português que nos emprestava livros para que os lêssemos e fizéssemos trabalhos sobre eles. Recordo com particular carinho nessa época a leitura de “O Ano da Peste Negra” da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, com quem tinha tido já o contacto literário na série de livros “Uma Aventura…”. Poucos anos depois, ainda no âmbito de trabalhos escolares cheguei a escrever algumas histórias curtas, contos, mas nada disso chegou a ser publicado. Depois, com os vários anos de curso superior, acabei por deixar de lado a escrita, que só retomei como disse, já em meados de 2013. Por essa altura, tinha começado a escrever novamente pequenas histórias e reflexões num blog que entretanto foi desativado e que levaram muitos amigos a incentivar-me a escrever histórias mais longas. Numa agradável tarde de primavera, sentado numa esplanada em frente ao Palácio de Queluz, surgiu-me a idéia para uma história e comecei a escrever as primeiras linhas do que viria a ser o meu primeiro livro, “O Segredo dos Bragança”. Tinha desenvolvido entretanto um gosto pela pesquisa e fixei-me por essa altura num dos meus períodos históricos preferidos e sobre o qual sabemos ainda muito pouco: o regicídio. Descobri nesse período que havia muito o que contar, o que me dava espaço para incluir algo dentro do simples registo histórico… e foi assim que nasceu o primeiro livro, como um Romance Histórico. Claro, uma das coisas que mais gosto é de conversar e de contar histórias. Poder assim partilhá-las com o público é ainda melhor.    

 

DES: Porquê voltar à nossa história, a monarquia portuguesa,  para criar?

Ricardo Correia: A História de Portugal está cheia de possíveis inspirações para criar histórias. Até agora tem sido na Monarquia, mas poderia ter sido já algo na República, como penso em alguma ocasião poder vir a fazer. A nossa História é rica em episódios que estão mal explicados, ou sobre os quais acaba por cair o manto das lendas, o que propicia bons motivos para explorar mais as épocas e criar as tais pequenas histórias que depois se unem para dar um livro. Poderia criar uma obra de ficção, um conto, outra coisa qualquer, mas aliando o meu gosto pela investigação ao gosto de contar histórias, criar algo tendo o suporte da moldura histórica facilita bastante.

 

DES: Onde buscas outras inspirações para escrever?

Ricardo Correia: Em muitos lugares, ocasiões, situações… Depende muito. Quando escrevi “O Segredo dos Bragança”, a minha primeira intuição foi criar uma história familiar que se passasse ali mesmo em Queluz, por isso posso dizer que o ambiente palaciano foi uma inspiração. Mas ao longo da criação do livro, passei por um dos típicos “bloqueios de autor”. Cheguei a um ponto na história em que o caminho das personagens não me satisfazia e era preciso desenvolver a narrativa. Esqueci o assunto e segui em frente. Deixei por um tempo a história de lado. Até que um dia, em visita à fortaleza de Evoramonte, no Alentejo, encontrei a inspiração que precisava e o livro ganhou novo fôlego.

Com o segundo livro, “O Regresso do Desejado”, o trabalho e a inspiração foram um pouco diferentes. Durante as pesquisas para o que viria a ser “O Segredo dos Bragança”, incidindo principalmente na quarta dinastia de Portugal, encontrei muitas referências ao que estava para trás e sobretudo à dimensão quase “messiânica” de D. João IV, primeiro da Dinastia de Bragança e que se assumia como o regressado D. Sebastião. Claro que isso me levou a procurar as raízes do próprio Sebastianismo português… Ainda não tinha feito a publicação de “O Segredo dos Bragança”, quando me surge a idéia de escrever um novo livro. E que foi inspirado dentro de um autocarro, contornando a rotunda do Marquês de Pombal em Lisboa… E as inspirações para este livro acabaram por aparecer de muitos mais lugares e de muito mais situações. Um pouco de norte a sul de Portugal… e não só. Já que Toledo, Sevilha e São Lourenço do Escorial em Espanha, foram também muito importantes no desenvolvimento desta história.

 

DES: Gostas de ler e saber coisas novas. Ainda há pouco tempo o Alfredo da Silva, o industrial português, foi a tua base de pesquisa.  Se conheceres mais contextos históricos melhor é o livro, ou a história?

Ricardo Correia: De todas as formas de conhecer, ler é a melhor. Alfredo da Silva é uma personagem interessante. Nascido na Monarquia, desenvolvido já na República e falecido no período da ditadura do Estado Novo, atravessa o tal período dos mais interessantes da nossa História e do qual falava anteriormente. Quanto melhor conhecer a História de um determinado período, mais fácil e mais fluido se torna o livro. Dentro do género do Romance ou da Ficção Histórica, se não tivermos uma boa base que coloque o leitor “dentro” da História, podemos criar à partida uma coisa que dá a entender que é falsa, que é fantasiosa e com isso afastar o leitor. Daí a importância da pesquisa, mesmo que caminhemos pela Ficção.

 

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©RC 


DES: A construção de personagens, sobretudo aquelas que nós conhecemos da história, assusta-te?

Ricardo Correia: Confesso que depende da personagem. No primeiro livro, “O Segredo dos Bragança”, não me aconteceu. As personagens que conhecemos da História estavam como eram, sem tirar nem pôr. Já com o segundo livro, pois encaro a trilogia como um livro apenas, foi muito diferente. Nos três volumes de “O Regresso do Desejado” o maior dos desafios foi criar a personagem de D. Sebastião. O “rei-desejado” é visto pelos seus biógrafos como um produto de sucessivos cruzamentos familiares. Com problemas sanguíneos, de saúde mental… Para o tornar o protagonista, havia que desconstruir toda a imagem biográfica, ainda mais que em Portugal o fazemos quase sempre de um ponto de vista que roça o místico. Posso por isso dizer que foi realmente a personagem que mais me assustou a criar, sem dúvida alguma.

 

DES: E como é o teu processo de escrita. Tens algum ritual?

Ricardo Correia: Não tenho nenhum ritual de escrita. Escrevo sempre que me apetece e onde calha. Ando sempre equipado com um bloco de notas e canetas ou lápis, faço anotações e registo ideias. Já cheguei a anotar a ideia para uma personagem na aplicação do bloco de notas para telemóvel. A única coisa que tento sempre fazer é escrever primeiro à mão. Registo sempre as ideias, escrevo algumas frases que fazem sentido. Depois passo-as ao computador e aí sim, a narrativa vai-se desenvolvendo. Esse é o meu processo de escrita.

 

DES: Quais são os desafios da escrita?

Ricardo Correia: O maior dos desafios para mim é ser credível. Reconheço que sou o meu pior crítico, portanto o primeiro leitor a quem uma história tem de convencer é a mim. Em Portugal, o desafio da escrita é muito grande e por vezes mesmo inglório. Há uma espécie de sentimento generalizado que quanto maior é a projecção de um autor, ou quanto melhor é o marketing que o rodeia, melhor é a qualidade. E nada pode ser mais errado que isso. Temos de gostar do que escrevemos, pois só assim transmitimos com clareza as nossas ideias. Quanto mais adequados nos sentirmos, maior naturalidade teremos no contacto com os leitores e com mais facilidade os fazemos envolverem-se na narrativa.

 

DES: Acreditas na escrita de causas?

Ricardo Correia: Nos tempos que correm, a escrita de causas é apenas mais uma. Esquecida, na maior parte das vezes, quando deveria ter realmente uma grande importância, como forma de chamar a atenção para problemas que se colocam muitas vezes. Recordo um colega de Editora, que pelo seu passado jornalístico escreveu um livro contando a difícil viagem de refugiados entre o seu país de origem e as portas da Europa. Fazem falta na literatura obras com esse tipo de visibilidade, para chamarem a atenção sobre os problemas que muitas vezes ignoramos. Eu não seria capaz de me lançar na escrita de um livro assim, pois não sinto que de alguma maneira seja uma área em que me sinta à vontade para o fazer.

 

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©RC

DES: Andas a preparar uma adaptação dos teus livros. Podes falar um bocadinho sobre isso.

Ricardo Correia:  Neste momento, pouco ainda posso adiantar sobre isto. O meu livro mais recente (a trilogia “O Regresso do Desejado”) foi descoberto quase por acaso, por um produtor americano, apaixonado pela História de Portugal. Contactou-me, pedindo que fosse eu a fazer a adaptação do livro para um guião de série de TV. Todo este tempo, a trabalhar na pré-produção da mesma, tem sido essencialmente um período de descoberta e de aprendizagem, pois houve algumas coisas que apenas comecei a descobrir durante a escrita do último volume e também dos preparativos para a série. Mas sobre a adaptação para série de TV, acredito que terei depois oportunidades para poder falar melhor sobre ela, logo que as condições o permitam. Posso apenas acrescentar para já que tem sido um trabalho entusiasmante. E a ideia de colocar rostos nas personagens e recriar um passado Português que não existiu (“O Regresso do Desejado” é uma ficção histórica) é muito motivador.

 

DES: És um frequentador assíduo de museus, suponho...

Ricardo Correia: E gostaria de ser muito mais. Tento sempre visitar museus que de alguma maneira me digam alguma coisa, ou que estejam relacionados com temas que posso usar como pesquisa. É para mim uma forma de aprender, rentabilizando o tempo disponível. Há muitos e bons museus que merecem uma visita demorada pois permitem-nos aprender todas as coisas que não aparecem escritas nos livros de História.  

 

DES: O que é o amor?

Ricardo Correia: Um sentimento que eu acredito que não pode ser somente expresso por palavras. A tentação de descrever o amor é muito grande e não foram poucos os que o tentaram. Em palavras, e na minha opinião, a melhor definição do amor é a que dá Camões nos seus sonetos (“Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente/É um contentamento descontente”), mas ainda assim não é suficiente. O amor é muito mais que uma simples expressão linguística ou uma frase. São todos os gestos no mundo que expressamos com carinho e com sentimento.

 

DES: Qual é tua opinião sobre a ligação de Luís de Camões a D. Sebastião?

Ricardo Correia: Não quero de maneira alguma entrar aqui numa linha de erudição. Camões foi um soldado ao serviço de D. João III, avô de D. Sebastião. Era um poeta e tanto quanto se sabe um mulherengo, tendo isso levado o poeta por diversas vezes ao cárcere. Mas com o nascimento e o reinado de D. Sebastião e Camões de regresso a Portugal, as más-línguas, as intrigas e tudo o resto sobrepõem-se à própria “verdade histórica”. Camões dedica ao rei “Os Lusíadas”, fruto de um grande amor ou de uma grande devoção, o rei atribui-lhe uma tença (rendimento) anual bastante avultado para a época. Com a derrota dos portugueses em Alcácer-Quibir, Camões acabaria por morrer quase na miséria sem que essa tença alguma vez tivesse sido paga. É já D. Filipe I (de Portugal, II de Espanha) que vai enterrar de vez o poeta, porque não era de forma alguma conveniente a um monarca espanhol que queria cimentar o seu poder junto dos portugueses, ter uma voz dissonante como a de Camões. Se houve alguma relação com maior ou menor intensidade entre Camões e o Rei… talvez possa ser assunto para algum livro futuro.

 

 

DES: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?

Ricardo Correia: Gostava, para começar de transformar os meus livros em best-sellers. (Espero poder continuar a trabalhar para isso ao longo dos próximos anos). Mas esse é talvez o maior dos sonhos. Por concretizar, não sei. Costumo dizer que o futuro é algo que preparamos dia após dia. Todos os passos que der, abrem diferentes possibilidades, permitem diferentes futuros. O que tiver de acontecer, é deixar acontecer.

 

DES: E o futuro?

Ricardo Correia: O futuro está por agora reservado. Em breve, lançarei o último volume da trilogia “O Regresso do Desejado”, que fica assim completa. Continuarei a viajar de norte a sul, do litoral ao interior de Portugal, onde haja alguém que quer falar comigo, conhecer a minha obra, saber mais sobre o que escrevo. Em breve, irei fazer uma pausa nos livros (desde 2017 que tenho lançado um livro por ano) para me poder dedicar à adaptação da trilogia para uma série de TV. Até lá, continuarei a aprofundar o conhecimento sobre a História de Portugal, para que quando estiver em condições de escrever um novo livro, o possa fazer com toda a segurança do que estou a escrever.

06 de Abril, 2020

Diário De Bordo De Um Lugar Quente II

Por André Mariano 
A POESIA DO SAMUI ELEPHANT SANCTUARY

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©AM

A nossa segunda missão internacional levou-nos a Kho Samui, uma das ilhas a sul do Golfo da Tailândia. A exploração do corpo e as massagens características remetem-nos para o começo da escravatura e comercialização intercontinental de seres humanos. Mas nem tudo é mau, dizem eles.

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A cerca de 25 minutos do local da nossa hospedagem encontrámos o SAMUI ELEPHANT SANCTUARY: o primeiro e único local em toda a ilha que promove o turismo ético sobre estes animais mágicos e extraordinários. Obrigado Lek Chailert, és a verdadeira mãe de todos estes meninos. Além disso, para outros como a Revista Forbes a “Hero of the Planet”, em 2001, e para uns tantos outros a verdadeira essência da SAVE ELEPHANT FOUNDATION – Elephant Nature Park, em Chiang Mai. E a todos vós que continuamente contribuem para a ajudar elefantes como a Kham San.

 

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Após o primeiro contacto resolvemo-nos perder na parte velha da ilha, a mundialmente conhecida Fisherman´s Village Samui, em Bophut. Recordo que levantámos as narinas e respirámos odores que nos fizeram descer a cabeça até a uma realidade que não é a nossa. Terceiro mundo, dizem os outros. Mas fomos agraciados pelo mais bonito porto de barcos tradicionais tailandeses aos quais se referem como os longtail. Ainda a caminho de passo apressado e a suar do bigode, naquele destino que iria mudar as nossas vidas, fomos confrontados com diferentes pedidos de ajuda.  Entre olhares vimos pulgas e carraças, mas foi a sarna que não nos deixou ficar indiferentes. Pobres amigos de quatro patas.

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Chegámos e batemos com o nariz na não-porta numa zona florestada. Até que um aceno de braços e troca de sorrisos validou a nossa passagem para o céu. Nesse mesmo dia, voltámos a estudar as questões guardadas para fazer a entrevista no dia seguinte. Tivemos direito a autorizações, esclarecimentos e o mais importante: a muito amor genuíno.

Ao chegarmos no dia seguinte à nossa nova casa, sentimos o cheiro a banana fresca e de outras tantas maduras, onde o voo da gaivota fazia voar os nossos cabelos e o seu assobio de quem estava a iniciar o período de nidificação desacelerava os nossos corações no sítio certo. Fomos fortes! E, não nos deixámos afetar pelo cheiro nauseabundo da avenida principal, um dos muitos indicadores de que a produção e o aumento do número de lixeiras a céu aberto são uma problemática a necessitar da nossa atenção. Tal como, o nosso olhar cada vez mais aguçado sobre a indústria da madeira que em tanto influencia a vida dos elefantes na ilha. E seguimos caminho!

 

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Já na zona de espera do santuário, fomos recebidos com o olhar ternurento de Kham San, uma das 6 fêmeas que vive no recinto e que à semelhança das suas companheiras de aventura, tem uma história comum e singular no meio das tantas outras escutadas.
Novas indicações sobre o processo de visita com uma chávena de café e máquina fotográfica em punho, começámos a recolha de imagens e testemunhos para a criação de um documentário. Entre tempos ouvimos uma explicação colectiva e fomos levados para conhecer individualmente cada elefante. Até que o tão esperado e primeiro momento de alimentação teve início, e as primeiras cedências de afeto de deram lugar ao começo das nossas relações. O dia foi reservado para eles e não podíamos estar mais felizes.

Em pequenos grupos caminhámos lado a lado com os tratadores, dos quais os elefantes reconhecem o tacto, com um saco de pano repleto de alimentos que inevitavelmente atraía a restante família ao nosso redor. E meninas como a Kham Sing, resgatada e em fase de recuperação da sua subnutrição, tiveram a oportunidade de serem confortadas com o nosso gesto.

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Antes de deixarmos as suas histórias e mergulharmos na realidade adjacente ao santuário, vimos brincadeiras e a socialização mais pura do grupo, mas foram os seus divertidos banhos que agarraram os nossos sorrisos. Nem acredito que fazem cambalhotas dentro de água, disse uma das turistas. E sem nos apercebermos, ficámos uns largos minutos a contemplar a sua beleza.

Até ao nosso até já.