João Galrão
Por Amaro Figueiredo
"SURPRESA MINHA TODAS AS PEÇAS EXPOSTAS
TINHAM SIDO VENDIDAS ANTES DA EXPOSIÇÃO INAUGURAR"
João Galrão vive e trabalha em Lisboa. Estudou no Ar.Co, onde concluiu o Curso Avançado de Artes Plásticas.
A sua obra esteve exposta na galeria Graça Brandão (Porto), Hammer sidi (Londres), Agência Vera Cortês Art (Lisboa), Casa Triângulo (São Paulo) e The Chemistry Gallery (Praga).
Desde 1996 tem participado em várias exposições colectivas, incluindo a Exposição de Estudantes do Ar.Co (1999, 2000 e 2001), O Quarto do Collector, Salon de Montrouge 48ème (European Jovens Criadores Salon), Galeria Luis Adelentado e como comissário e um dos artistas intervenientes no projecto "Afrontamentos" e mais recentemente na Colectiva Self - Destruction Poetry no Instint #5 em Berlim.
Há poucas semanas, inaugurou na Galeria António Prates, a exposição individual “Singularities” com a curadoria de Rui Afonso Santos, por causa da pandemia do novo coranavírus foi adiada.
©JG
DES: O que mais te inspira e porquê?
João Galrão: A natureza e a espiritualidade. A natureza pelas suas formas orgânicas e como reflexão do nosso lugar neste mundo e a espiritualidade, sem entrar em religiões, pela sua capacidade de nos elevarmos como espécie, e também pelo questionamento e sentimento da presença do sagrado e a sua contemplação, em algumas peças exploro esta questão. Sendo necessário uma atenção como as peças são colocadas no espaço, para que elas possam respirar e serem devidamente apreciadas.
DES: Qual é a parte mais fácil e o maior desafio de uma obra?
João Galrão: A parte mais fácil é inspirar-me e pensar numa peça e no seu conceito, depois o desafio é a conseguir criá-la e projectá-la como a pensei. Algumas delas são um bocado demoradas na sua concretização, um processo bastante físico, para o qual é necessária alguma persistência, mas para compensar gosto de criar outras, em que são o oposto, a sua criação demora pouco tempo e os resultados são quase imediatos.
DES: Qual foi a maior aventura que te aconteceu num dia de exposição?
João Galrão: Talvez tenha sido logo na minha primeira exposição individual na Galeria Graça Brandão, em 2003. Por surpresa minha todas as peças expostas tinham sido vendidas antes da exposição inaugurar, tendo deixado alguns coleccionadores furiosos por não conseguirem comprar nada no dia da sua abertura. O que me deixou bastante satisfeito, não só porque toda a gente falava nela mas também porque fiquei nesse ano com umas 15 encomendas por realizar, outros tempos que não voltam mais.
DES: O que podemos esperar de um projecto em que estás a trabalhar?
João Galrão: Actualmente inaugurei a minha exposição individual “Singularities” na Galeria António Prates com a curadoria de Rui Afonso Santos, mas foi uma relação meio agri-doce, encerrou uma semana depois devido à pandemia actual do Coronavírus. Também devido a este problema mundial e da cultura estar praticamente parada estou a colaborar com algumas plataformas digitais ligadas à arte e a seu tempo as revelarei. Também estou a colaborar com uma colectiva ainda sem data marcada na Associação RA100, em Lisboa, sobre o tema actual desta pandemia.
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DES: Qual o trabalho que mais gostaste de fazer até hoje?
João Galrão: Um dos trabalhos que me deu mais satisfação fazer foi a série chamada “After hours” em que usava e uso – ainda pretendo continuar – tampas de plástico, não só devido à pertinente questão da reciclagem mas também porque envolvia terceiros, pois pedi a vários amigos para as ir recolhendo, sendo isso uma atitude ecológica e que envolvia a comunidade local, mexendo com as pessoas e alertando-as para a necessidade consciente deste problema, fazendo-as tornar-se parte da criação da obra.
DES: Como é feita a valorização – preço – de uma obra de arte?
João Galrão: Esta é uma questão sensível e por vezes refilo nas redes sociais, mesmo levando na cabeça. Acho que é o mercado que dita este valor e o poder de compra dos coleccionadores, e a cotação que as galerias dão. Por vezes é ingrato, sobretudo na escultura, são meses a trabalhar e depois comparando com o que recebo não corresponde ao trabalho que tive. Daí estar mais virado para o desenho em papelão, em que são dois ou três dias de trabalho e ganho quase tanto por uma escultura que demora meses, às vezes um ano. Claro que continuo a fazer escultura, mas actualmente só acabando algumas encomendas que tive e pouca obra nova, original.
DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje?
João Galrão: A coisa que mais me marcou até hoje foram os comentários a dizer que tornei a vida das pessoas mais feliz e o mundo menos cinzento, este tipo de comentários que vou recebendo enche-me de alegria e faz-me continuar, sentido-me mais útil neste planeta. Às vezes penso que devia estar a fazer outra coisa mais benéfica para a vida das pessoas, mas depois com estes comentários faz-me perceber que a arte é tão importante como comer ou outros bens essenciais nesta vida.
DES:Tens algum talento escondido?
João Galrão: Tenho alguns (sorri) mas talvez o mais pertinente seja uma sensibilidade aos campos energéticos, não propriamente “falar com os mortos” mas a uma capacidade de captação de energias das pessoas e dos ambientes, o que tento em alguns casos canalizar para a minha obra, e também a uma capacidade de ouvir o outro e o tentar ajudar, talvez uma característica mais humana do meu ser.
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DES: Que importância tem o nu ou o erótico no teu trabalho? Na tua vida?
João Galrão: A minha obra encontra-se numa fronteira ténue entre o sagrado e o profano, não só como artista mas também como performer. Desde os tempos do Ar.co ( Centro de arte e comunicação) em Lisboa e sobretudo depois de umas colagens em que usei o meu corpo como inspiração, tenho trabalhado nesta matéria, o que às vezes originou um incomodo para algumas pessoas mais católicas e me fechou algumas portas, mas abriu outras.
DES: Passaram alguns anos. A fantasia do elevador ainda se mantém?
João Galrão: Confesso que, devido a tantos disparates que digo, tive que voltar a rever a entrevista que dei na SIC sobre fantasias sexuais. Ainda se mantém até porque ainda não a concretizei (risos), esta afirmação saiu-me na hora sem pensar muito no assunto, talvez por influência em ter uma mãe empresária e costureira militar, saiu-me esta confissão, entretanto surgiram outras fantasias.
DES: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?
João Galrão: Tantas coisas, gostava de escrever um livro, uma letra para uma música, criar uma ONG, viajar até Nova Iorque e à Índia, gosto destes opostos, NY por ser uma cidade cosmopolita e a Índia pela sua espiritualidade e exotismo.
DES: Qual é o teu maior defeito?
João Galrão: Às vezes, ser um bocado rabugento e ter mudanças de humor, talvez por ser bipolar, não sei se devia confessar isso publicamente, mas para mim não é um bicho de sete cabeças e assim talvez ajude outras pessoas a encarar o problema de frente. Felizmente assumi esta questão e estou bem, sou medicado, mas perdi alguns amigos por não ter enfrentado o problema na altura.
DES: E o amor. O que é o amor?
João Galrão: O amor é um êxtase, uma entrega, paixão, pode ser por uma pessoa, um animal, um livro, um país. Às vezes é cego e faz-nos sofrer, mas é bom ter esta sensação pois a vida sem ele não fazia sentido.