JEFFERSON RIB
Jefferson Rib nasceu no Rio de Janeiro e vive em Portugal há 3 anos. Para trás ficou uma das suas maiores paixões: o carnaval carioca.
No Rio de Janeiro, trabalhou como cenógrafo, figurinista e designer gráfico em espetáculos teatrais e eventos culturais.
As colagens é uma das suas paixões, dando voz a delicadeza e criatividade interior. A maior parte do seu acervo de imagens são adquiridos em alfarrabistas, lugar onde poderia passar horas a fio.
É um dos artistas da Plataforma do Pandemónio, uma associação que tem promovido a arte e a cultura em Braga.
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DES: Quando começaste a interessar-te pela colagem criativa?
Jefferson Rib: Trabalho como designer gráfico há mais ou menos uns dez anos e a colagem, enquanto linguagem, sempre esteve presente nos meus trabalhos - e, aliás, isso foi algo que só consegui perceber agora, olhando retroativamente. Sempre me interessou na colagem essa absorção das imagens que estão por aí e sua inserção no espaço pictórico, a fim de trazer rupturas e novas narrativas. Comecei na colagem analógica há pouco mais de um ano como um projeto pessoal, paralelo ao meu trabalho de designer, uma forma de começar uma investigação artística particular. E isso foi ganhando contornos mais definidos com o tempo, à medida que ia criando e percebendo as muitas possibilidades criativas que a técnica possibilita.
DES: Em que medida é que a sensibilidade é importante no processo criativo?
Jefferson Rib: Todo processo criativo é composto por uma boa proporção entre sensibilidade e pensamento. E claro que as duas coisas se confundem, não têm limites precisos. Na colagem, essa sensibilidade se revela, sobretudo no olhar, na pesquisa de imagens, a etapa que antecipa todo o trabalho de composição e da colagem propriamente dita. É com sensibilidade que se é capaz de olhar o que encontramos no mundo, num contexto ordinário e banal, e extrair daí algum novo sentido na sua relação com outros elementos da obra.
DES: Qual o fator principal que dinamiza a colagem?
Jefferson Rib: Tem uma escultura famosa do Picasso, uma das minhas obras preferidas de sempre, chamada “Cabeça de Touro” (“Head of a bull”). Acho essa obra de uma precisão absoluta e me faz pensar nessa pergunta. Nela, o artista, junta dois componentes de uma bicicleta, um guidão e um banco, criando, ao dispor o guidão na parte superior do assento, uma forma que se assemelha a uma cabeça de touro. Entretanto, ainda que essa associação ao animal seja feita naturalmente por quem se depara com a escultura, a singularidade de cada objeto se mantém com muita força. Ou seja, “é” a cabeça de um touro, mas é também apenas um guidão junto a um banco de bicicleta. E esse aspeto potencializa essa espécie de collage, assemblage, que seja - porque, seja o que for, há ali um princípio de colagem, sobretudo por ter sido feita por quem foi. Então independente do novo sentido que os fragmentos criam quando reorganizados numa obra, eles ainda podem ser vistos como são, trazem memórias, contextos, histórias. A dinâmica, talvez, está no ser algo novo sem deixar de ser o que se é.
DES: Quais são os maiores desafios de uma colagem?
Jefferson Rib: Ao menos no meu processo - e falo mesmo a partir de um critério particular -, é conseguir unir imagens de textura e saturação não muito díspares - exceto quando é exatamente essa a intenção. Um desafio em reunir imagens de fontes distantes é manter um certo equilíbrio cromático, e isso passa pelo tipo de papel em que essas imagens estão impressas. Uma cor em um papel fosco traz um resultado estético muito diferente na colagem caso presente num papel com brilho, por exemplo - e ainda podemos estender as variáveis à gramatura, à textura e etc. Há uma série de detalhes ligados à materialidade das imagens que serão determinantes na hora de realizar uma colagem e tornarão o ato de aderi-las ao suporte mais ou menos difícil.
DES: A colagem criativa está na moda?
Jefferson Rib: Não sei, está? Creio que não. A colagem é uma arte muito democrática. Não é preciso saber desenhar, pintar e, se calhar, nem mesmo utilizar tesoura ou bisturi com precisão - pois ainda resta o rasgo, a mão - e talvez por isso ela seja um pouco… “marginalizada”? Não sei se é bem essa a expressão, mas digo no sentido de talvez não ser tão valorizada quanto deveria. Vale dizer que é uma técnica muito recente na história da arte, que começa a ser desenvolvida num contexto de muitas transformações artísticas, e não só no campo das artes visuais. E, desde então, ela tem se desdobrado de muitas maneiras, seja misturada a outras técnicas, seja como protagonista - e,importante, uma técnica que não se restringe à arte visual, mas está presente também na literatura, na música, etc. Bem, eu espero que não esteja na moda, já que toda moda, como é inerente ao fenómeno, há de passar. E não, tomara que não passe.
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DES: O que te faz diferente dos outros artistas?
Jefferson Rib: A mesma coisa que faz os outros serem diferentes de mim e cada um ser diferente do outro. Cada artista tem seu contexto, suas necessidades, suas referências, seu repertório, sua formação. Entretanto, e não falo isso fazendo juízo de valor, há dois pontos que são bastante caros para mim: a primeira é trabalhar somente com imagens que já estão por aí na vida, já publicadas; e a segunda é evitar ao máximo fazer reproduções dos trabalhos, a fim de manter as propriedades da colagem (como camadas, sobreposições e textura) e a exclusividade da obra.
DES: Tens algum trabalho que consideres especial?
Jefferson Rib: Nutro um carinho especial pela primeira colagem analógica que fiz por algumas razões - e, dentre elas, ser o ponto de partida deste projeto, mesmo que, a princípio, faria apenas uma colagem como um exercício criativo. Mas ela é especial devido à escassez de material que eu tinha naquele instante, somente duas revistas e mais nada. Apesar de talvez não apresentar soluções das mais criativas, busquei aproveitar aquele material da melhor maneira possível. Como toda escolha é também uma renúncia, tive que renunciar pouco, então foi bem confortável neste aspeto.
DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje? Pela positiva.
Jefferson Rib: Talvez eu esteja por ouvir, mas eu fico feliz quando nos mercados de arte as pessoas observam, comentam e compram (ou não) um trabalho. Porque a criação, quando se está ligado a um processo individual, é um ato muito solitário. Você cria aquilo porque é algo que faz sentido para si, mas a relação com o outro é sempre inédita. Outro fato muito legal que me marcou bastante foi quando me disseram pela primeira vez que “tenho revistas para te entregar”. Percebi que tinham me associado à colagem, e isso foi um tanto significativo, ter uma linguagem pela qual te identificam.
DES: Qual foi a maior aventura que te aconteceu ligada à colagem?
Jefferson Rib: Não consigo pensar em nada que faça jus à palavra “aventura”. Mas se posso aproximar “aventura” de “desafio”, é certo que relaciono à questão mercadológica da arte. A coisa muda completamente quando você precisa precificar uma obra sua. Diferente de um trabalho como designer, por exemplo, em que um cliente demanda um projeto com características específicas, uma colagem nasce pelo desejo de criar. E carrega um processo criativo único que está muito aquém do valor final, que tende equilibrar acessibilidade (para quem compra) e reconhecimento (para o artista). Para mim, essa é uma questão ainda problemática.
DES: Qual foi a colagem com o processo mais difícil de concretizar? Podemos saber?
Jefferson Rib: Cada colagem traz o seu nível de dificuldade, a qual pode estar relacionada ao tamanho das imagens utilizadas, a sobreposição entre elas, se quero trabalhar com algum lettering (algo que tenho investido muito ultimamente), entre tantas coisas. Um bom exemplo é uma colagem recente que fiz, “a mulher no cavalo e o grande salto”, aparentemente muito simples: tem dimensões pequenas (15cm x 10cm), possui uma imagem principal e apenas outra imagem, sem recorte, de fundo. Mas a imagem que nomeia a obra, tão pequena quanto potente, trazia uma possibilidade infinita de soluções e todas que atravessavam minha cabeça não ganhavam força quando experimentadas no papel. E a solução final, a de fazer uma abertura no papel como se ocasionada pelo salto da mulher, só chegou após muita experimentação. Ou seja, ainda que o tamanho da imagem protagonista tenha trazido um desafio no seu corte devido ao tamanho e aos detalhes, a dificuldade em concretizá-la estava em fazer a escolha certa. Porque, afinal, toda colagem nasce sob um risco, uma vez que está em jogo ali um material que você, na maioria das vezes, não consegue mais recuperar.
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DES: Uma colagem é...
Jefferson Rib: No texto de apresentação da exposição “narrativas analógicas”, que reunia uma série de colagens minhas, escrevi que a colagem é sempre uma (re)visão, é um olhar de novo, e essa é uma ideia que, como já foi dito aqui, me agrada bastante. Pensar a colagem como uma absorção das coisas do mundo, mas uma absorção ativa, uma maneira de subverter o que é visto. A colagem também é sempre resultado de um instante e está, em algum nível, ligado ao acaso, no sentido que: aquela reunião de imagens que formou a obra só se deu de tal maneira pela oferta limitada de imagens no momento da criação.
DES: O artista é...
Jefferson Rib: Alguém atravessado por uma conjuntura muito particular, seja no sentido macro - artística, cultural, social, económica, geográfica, etc. - ou micro - emoções, desejos, vontade criativa, etc. Cada tempo produz o seu artista e novas maneiras de pensar e fazer arte. Talvez valha refletir o que é o artista hoje, especialmente nesse novo tempo. Carentes de um apoio estatal amplo e enérgico, diversos segmentos artísticos e culturais estão se reinventando para manter-se ativos, o que não é muito diferente de outras áreas. O artista está a repensar seus meios, suas criações, seus limites. Toda crise propulsiona criação, e espero que seja possível tirar algo bom disso tudo.
DES: Se não fosse a colagem era...
Jefferson Rib: Eu andei investindo em ilustração pouco antes de começar a fazer colagem, mas não aconteceu, ainda que rabisque vez ou outra para a mão não enferrujar. Sinceramente, não sei, não gosto da ideia do “se”. Aliás, eu já vejo a colagem como consequência da minha imigração para Portugal, já que quando iniciei esse projeto aqui era, sobretudo, para suprir a falta de certa produção artística que havia deixado no Rio de Janeiro. Era uma forma de voltar a criar, a estar em exercício criativo. Então prefiro pensar que “ainda bem que tem a colagem”. No mais, o jovem cinéfilo que fui ainda sonha em realizar um filme.
DES: A pandemia prejudicou o teu trabalho?
Jefferson Rib: À parte toda a ansiedade que o novo cenário trouxe, todo o medo e tristeza plantados pelas notícias, o primeiro lockdown, lá em março de 2020, foi bastante profícuo, já que, assim como boa parte do mundo, me deparei com uma oferta inédita de algo raro chamado tempo - o que, convenhamos, em excesso também não é muito favorável. Também foi nesse contexto que surgiu e pude integrar a Plataforma do Pandemónio (@plataforma.do.pandemonio), uma associação que tem sido muito ativa em pensar e promover arte e cultura em Braga. Neste início de 2021 o contexto é outro e o impedimento em realizar mercados de arte tem sido bastante prejudicial. Minha pequena e primeira exposição que estava a ocorrer na Livraria Centésima Página, em Braga, foi suspensa logo na primeira semana, já que a livraria não podia mais receber clientes.
DES: No futuro quais são os teus objetivos?
Jefferson Rib: Sou um experimentador constante e tem muita coisa que gostava de experimentar a partir da colagem - trabalhá-la concomitante a outras técnicas, outros suportes… E nesse sentido, tenho imensa vontade em levar meu trabalho para o espaço urbano, pensar grandes formatos de colagens, murais e afins. Porém, se tem algo difícil atualmente é isso de pensar no futuro. Não que queira terminar essa conversa de forma pessimista, mas temos adiado o futuro e estamos mais uma vez em um presente em suspensão. Pra já, prefiro pensar na colagem que estou para terminar, que aí eu já posso começar outra, e depois outra e por aí vai.
DES: Obrigado.
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