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Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

12 de Março, 2021

FELIPE CAVALCANTI

A Barbearia Dom Felipe (Porto), do Felipe Cavalcanti é diversa na qualidade: profissional, perfeccionista, amiga, acolhedora e exclusiva.

O sonho de ter uma barbearia vem desde muito cedo.  “Na minha barbearia a pessoa entra cliente e sai amigo”, refere Felipe.  

As barbas fazem cada vez mais parte das nossas vidas. Dizem que é impossível escapar-lhes no mundo da moda e nós quisemos saber tudo.

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 DES: Barbear é uma arte? 

Felipe Cavalcanti: Penso que barbear é uma técnica. Pode até ser uma técnica dotada de ações criativas, mas por mais bonito que seja denominar como arte, acho que seria uma apropriação da palavra. Vejo a arte como um saber ligado à criação, à reflexão, à expressão de sentimentos ou ideias...  que nos tocam ou incomodam, ou conseguem colocar-nos em outra dimensão estética e até, algumas vezes, espiritual. A arte é questionadora.  A barbearia como profissão vem de uma linhagem antiquíssima, de uma história rica e respeitada em todo o mundo, de um conjunto de conhecimentos laborais aprendidos. Eu posso ensinar qualquer um a ser um barbeiro, mas jamais poderia transformá-lo num artista.

 

DES: Quando começaste a interessar-te pela arte de barbear? 

Felipe Cavalcanti: A barbearia sempre rondou-me os pensamentos, sempre instigou-me. Minha relação com a barba vem desde cedo. Aos 12 anos nasceram-me os pelos no rosto e era o único da sala de aula com bigode e barba, não eram poucos e isso já chamava a atenção (risos). A partir daí sempre tive esse pensamento a dar voltas na minha cabeça. Profissionalmente trabalhava com vendas, mas não era satisfeito com a profissão. Quando pensei numa mudança foi aí que a ideia da barbearia surgiu e ainda não era o modismo que é hoje. Comecei a realizar cursos e qualifiquei-me profissionalmente para então empreender com a barbearia.

 

DES: Quais são os maiores desafios de um barbeiro? Ou de uma barbearia. 

Felipe Cavalcanti: Acho que o maior desafio é sempre entender as necessidades do cliente. Cada um vem com um desejo em relação à imagem pessoal e este desejo pode estar relacionado a várias questões. Pode ser algo profissional, pode ser relativo à autoestima, pode ser relacionado com a tradição ou mesmo o oposto, uma vanguarda, uma inovação. Quando entende-se o que está por de trás do desejo do corte do cabelo ou da barba, consegue-se chegar na satisfação do cliente.

 

DES: O espaço e o tempo dinamizam a arte de barbear? 

Felipe Cavalcanti: Em certa medida, sim. Se pensarmos em termos de espaço físico adequado, com toda segurança, higiene e equipamentos profissionais é fácil estabelecer essa relação. Em relação ao tempo, vejo que depende de cada profissional envolvido e da qualidade final do serviço. Mas, se pensarmos em termos da história, o espaço e tempo são aliados dessa profissão. O ato de barbear e de cortar o cabelo faz parte da própria história e está em todos os povos. Os barbeiros atendiam até mesmo nas praças, feiras e outros locais. É uma história muito rica e com um incrível desenvolvimento.

 

DES: A barba é um grande factor na moda masculina? A barba está na moda?

Felipe Cavalcanti: Novamente é essa história rica da barbearia que nos dá a resposta. A barba é uma composição masculina desde que o tempo é tempo. Conferia honra, poder, status, masculinidade, coragem, em alguns povos era mesmo o rito de passagem para a vida adulta. Ao longo do tempo, idas e vindas colocavam a barba ora como satisfatória ora como inadequada em função de um conceito ideológico e político, somados a isso a indústria de lâminas de barbear também contribuiu para um marketing do rosto limpo e as barbas passaram a ter um aspecto subversivo na sociedade sendo até reprovadas. Nos últimos dez a quinze anos surge um movimento de emancipação desses conceitos rígidos que até então passaram a vigorar. O “novo” homem passou a apreciar a sua própria vaidade, o seu prazer com a saúde e a estética, dessa forma o mercado voltado para o masculino teve um grande impulso, indo ao encontro dessa nova estética masculina e o homem voltou a ter grande satisfação em cultivar e cuidar da barba e isso se vê refletido na moda.

                                                                                          

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DES: Tens algum trabalho que consideres especial?

Felipe Cavalcanti: O homem hoje valoriza seu barbeiro e muitas vezes além do lado profissional, o barbeiro torna-se um amigo e a cadeira do barbeiro é um divã também. Muitas histórias são relatadas e ouvidas com atenção e isso torna tudo especial. Da mesma forma, cada corte de cabelo ou barba são únicos.

 

DES: Em que medida é que a sensibilidade é importante no processo de barbear?

Felipe Cavalcanti: É extremamente importante uma vez que estamos a lidar com a vaidade e não somente, mas com toda a questão da imagem pessoal, profissional e questões psicológicas. Muitas vezes o barbeiro tem que também alertar para o que não é adequado (em relação ao corte de cabelo ou barba) em função de cada cliente e é preciso sensibilidade para perceber as sutilezas que estão envolvidas.

 

DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje? Pela positiva. 

Felipe Cavalcanti: Que na minha barbearia a pessoa entra cliente e sai amigo.

 

DES: Qual foi a maior aventura que te aconteceu ligada à barba?

Felipe Cavalcanti: Certa vez, uma senhora entrou na barbearia enquanto o marido estava a ser atendido para impedir que ele realizasse o corte de cabelo e da barba, com receio de que ele ficasse bonito e chamasse atenção das mulheres. Os dois começaram a brigar na barbearia.

 

DES: Qual foi a barba com o processo mais difícil de concretizar? Podemos saber; Felipe?

Felipe Cavalcanti: O processo mais difícil é com o cliente sem paciência. Às vezes, a barba sonhada leva tempo para crescer, demanda cuidados semanais, investimento em produtos adequados. Paciência e cuidado são os segredos.

 

thumbnail_IMG_20200922_111325.jpg©FC

DES: Uma boa barba é... 

Felipe Cavalcanti: Uma barba bem tratada.

 

DES: Um bom barbeiro é... 

Felipe Cavalcanti: Aquele que não impõe o corte de cabelo ou estilo da barba ao cliente. Ele pode aconselhar, orientar, mas jamais impor ou realizar algo à revelia do cliente.

 

DES: Se não fosse a barba era...

Felipe Cavalcanti: Se não fosse barbeiro seria um profissional relacionado com a gastronomia, a minha segunda paixão.

 

DES: A pandemia prejudicou o teu trabalho?

Felipe Cavalcanti: A pandemia prejudica profissionais do mundo todo, em todas as áreas, em função do confinamento e por tudo o que desperta na crise económica. É uma equação dificílima de acertar porque o lockdown e outras medidas são importantes para refrear a propagação do vírus, mas ao mesmo tempo as medidas de apoio aos setores são insuficientes para manutenção das famílias e dos empregos.

 

DES: No futuro quais são os teus objetivos? 

Felipe Cavalcanti: A pandemia ensina-nos que o futuro é muito incerto. Por enquanto, continuar a realizar o melhor trabalho possível na barbearia, com o nosso atendimento individualizado e personalizado e quando tudo estiver calmo, sem essa pandemia, aí sim... pensar em projetos futuros.

DES:Obrigado. 

 

12 de Março, 2021

JEAN SARTIEF

Jean Sartief nasceu no Brasil e vive em Portugal. Tem cinco livros publicados e marcado presença em várias revistas literárias. Ganhou múltiplos prémios em concursos de poesia.

As artes visuais são uma paixão, tendo participado em diversas exposições e amealhado também alguns prémios. 

O seu Instagram tem sido um livro de poesia inédita. 

O inseto e eu

 

Olhei a lâmpada.

As asas do bicho voador,

velozes.

 

Rodopios mortais!

 

Ainda há tempo

para abrir os olhos,

abandonar a armadilha

e seguir voando.


Jean Sartief 

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DES: A ilustração é uma forma de poesia? 

Jean Sartief: A ilustração é um campo lindo, difícil e atraente. Há uma poética na ilustração como em outras artes e cada uma encontra em si a sua expressão: no campo da percepção, do lúdico, do criativo. A ilustração caminha nesse encontro da imagem, da imaginação e da linguagem.

 

DES: “Esperar o corpo esquecer a dor e aceitar o fim” é o resumo da vida de um poeta? 

Jean Sartief: A dor impulsiona-nos, mas também deixa sequelas, torna-nos exaustos. Quando o corpo esquece a dor é possível seguir em frente com maior leveza e nessa leveza se constrói outros caminhos. Não sei se é possível resumir a vida de um poeta... há uma profundeza, muitas vezes indecifrável, na alma de todo o poeta que não damos conta.

 

DES: Cincos livros publicados. Quais são os maiores desafios da escrita? E das publicações?

Jean Sartief: Em 2020 lancei o e-book 'Jardim dos Abismos'. Há muitos desafios na escrita e cada autor tem as suas batalhas e moinhos, mas essencialmente é importante para o autor encontrar a sua linguagem. Isso torna-o único. Falar de publicações é refletir sobre o mercado editorial e a poesia tem um público cativo. Embora não seja o diamante das grandes editoras que continuam retraídas, preferindo autores já consagrados (garantia de retorno fácil) do que no investimento em novos autores e formação de público. O lado bom da última década é ver o nascimento de várias revistas especializadas em poesia (impressas e virtuais) e de editoras independentes que têm feito um excelente trabalho. Como a editora Patuá, no Brasil. No mercado ainda existe a autopublicação, onde os autores são os próprios editores e por fim, os campos virtuais que crescem bastante e proporcionam ótimo campo de atuação para que os autores encontrem novos públicos. E há que dar-se destaque ao trabalho de livrarias espetaculares em relação aos livros e autores. Cá no Porto, a Poetria e a Flâneur são um exemplo e merecem toda a atenção da comunidade.

 

DES: Quando começaste a interessar-te pela poesia? 

Jean Sartief: Desde muito cedo. Já na escola. Fascinavam-me os poetas.

 

DES: Qual os temas que preferes escrever? 

Jean Sartief: A minha poesia é confessional e, em certo sentido, política também.

 

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DES: Qual o factor principal que dinamiza os poemas?

Jean Sartief: A polissemia. Quando um poema confere asas ao leitor ele jamais retorna ao mesmo pouso.

 

DES: O que estás a ler?

Jean Sartief: Leio muitos ao mesmo tempo, mas não me esforço a uma leitura rápida. O que me gera um acúmulo de livros para ler – o que por um lado é bom! Atualmente finalizei uma releitura de Contos, de Eça de Queiroz; agora sigo com o ótimo 'Sombra Fria', de Christi Rochetô (também de contos). Há ainda Adonis (poemas) e uma coletânea de poesias da DiVersos - Poesia e Tradução. Também comecei 'Torto Arado', de Itamar Vieira Junior, ganhador do Oceanos.

 

DES: O coração é uma chave?

Jean Sartief: É uma das chaves que abre a complexa dimensão humana, mas com certeza a mais importante.

 

DES: Em que medida é que a sensibilidade é importante na ilustração? 

Jean Sartief: É essencial.

 

DES: Onde tens as melhores ideias criativas? 

Jean Sartief: A vida continua a ser a maior fonte de ideias criativas. A arte tem que dialogar com o seu tempo e com o que acontece.

 

DES: Tens algum trabalho que consideres especial?

Jean Sartief: Normalmente o último trabalho é o mais especial porque é nele que estamos mergulhados. Infelizmente, não publicamos com o mesmo fluxo que escrevemos. Já tenho 3 livros inéditos para vir ao mundo e o último deles, toca-me profundamente.

 

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DES: Como sais da rotina criativa? 

Jean Sartief: O labirinto sempre me interessa, mas para tudo na vida é necessário equilíbrio e para chegar ao equilíbrio é necessário cair algumas vezes. Hoje, a própria vida em seus ritmos e contratempos indica-nos que a flexibilidade é o caminho.

 

DES: Qual foi a coisa que te disseram sobre o teu trabalho que mais te marcou até hoje? Pela positiva. 

Jean Sartief: Acho que algo que me marcou foi uma citação de Ariano Suassuna ao mencionar publicamente em uma entrevista, na época, que havia utilizado uma poesia minha para um livro que estava a escrever.

 

DES: O que significa um prémio para ti?

Jean Sartief: É sempre a possibilidade de alcançar um maior número de leitores através da visibilidade que determinados prémios podem proporcionar. Com certeza, o maior prémio para qualquer autor é ser lido e que sua obra seja amada pelos seus leitores. Quando o prémio é conferido pelos seus pares ou profissionais da área vejo também como um respeito e homenagem.

 

DES:Saudade é...

Jean Sartief: Saudade é uma lava. Enquanto quente pode ser devastadora e bela. Quando fria, compõe a paisagem.

 

DES: No futuro quais são os teus objectivos? 

Jean Sartief: Publicar e escrever. Escrever e publicar.

 

DES: Obrigado