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Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

17 de Fevereiro, 2020

Nuno Roseta da Cunha & André Sousa

Por Amaro Figueiredo



Vamos falar de amor, mas atenção: sem preconceitos à sua volta.

É uma história de amor.

Vamos começar pelo início da história de amor do Nuno Roseta da Cunha e do André Sousa: a fotografia (capa). Passaram quase 10 anos. Vamos falar de intolerância e tolerância. Vamos falar de como tudo depende de nós, como olhamos as coisas. 

Neste meio caminho, de ida e de volta, cabe-lhes sempre na bagagem: o outro.

nuno.jpg©NRC

DES: O que é o amor? O que significa para vocês?

Nuno: Amor é a sensação mais especial que existe. Não somente amor pela "cara-metade", mas também, e embora de forma diferente, pela Mãe, pelo Pai, acima de tudo por um filho e até por um amigo. Especificamente o amor pela nossa alma gémea é o ex libris do prazer, do carinho, da partilha, da companhia e do companheirismo, é o querer viver e acompanhar a vida de outra pessoa, junto a nós e ainda que possamos ter interesses distintos e gostarmos de fazer coisas sozinhos ou pelo menos sem o outro, e o de querer partilhar as mesmas. Para mim amor é aquilo que nos faz decidir lutar para melhorar!


André: Algo que me tenho apercebido que é mutante e evolui para diferentes estádios com o tempo. Noto que o sentimento tem algo de comum ao longo dos anos, um sentido de pertença, de lugar confortável, de quentinho, mas que se demonstra e sente de diferentes formas conforme evolui – necessariamente mais intenso e exacerbado de início, dando lugar a um sentimento mais sólido, robusto e familiar com o tempo. Na minha opinião, amar é cuidar.

 

DES: Há 9 anos que estão a construir uma história. Como é que se conheceram?

Nuno & André: Conhecemos-nos por acaso numa das pistas de dança da Discoteca Trumps. Começámos a olhar um para o outro e após um empurrão simulado, o André abordou o Nuno e começámos a conversar. Após primeira interação e após o Nuno ter informado o que considerava poderem ser possíveis turn-offs – 10 anos de diferença de idade, o facto do Nuno ter um filho e na altura estar ainda a aguardar conclusão do processo de divórcio), conversámos durante horas e trocámos contactos. Na semana seguinte passámos dias de intenso contacto até que o André convidou o Nuno para ir a um jantar em casa de uns amigos. Nessa noite não nos largámos, conversámos, trocámos o primeiro beijo, voltámos a ir dançar e desde então que estamos juntos, há mais de 9 anos.

 

DES: Vocês prestam muita atenção aos detalhes um do outro?  Porquê?

Nuno: Penso que o André é mais atento e perspicaz do que eu, mas certamente que sim. Fazemo-lo por amor, por interesse, curiosidade e preocupação pelo outro, bem como pela necessidade de pertença.

André: Inevitavelmente começamos a conhecer o outro de uma forma muito particular e íntima, sendo que são exatamente esses detalhes que definem a intensidade e profundidade com que conhecemos alguém, por isso, sim.

 

DES: Nuno como é o André?

Nuno: Um Homem extremamente inteligente, dedicado, focado e perseverante. Carinhoso e também muito necessitado de carinho, preocupado com o "nós" e em melhorar o que houver a corrigir. Generoso, atencioso com o próximo merecedor, embora demasiado exigente com o próximo não merecedor. Alma e coração inquietos em constante procura de paz e equilíbrio.

nun andre.jpg

©NRC

 

DES: André como é o Nuno?

 André: Um Homem carinhoso, que não tem medo de dizer que ama, reconciliador, calmo, importado com reconhecimento externo e valorização.

 

DES: As pessoas conseguem dizer coisas horríveis. Já sofreram preconceito ou presenciaram alguma discriminação contra a população LGBT? Qual foi a vossa sensação?

Nuno: Ao longo de toda a vida senti algum preconceito, sempre que mudava de turma, de grupo, de equipa de trabalho. Serenava e acabava sempre por ser aceite. Em contexto profissional já senti pressão, desconsideração e comentários jocosos por parte de um superior numa empresa na qual trabalhei. Em 22 anos de trabalho foi somente esse o exemplo mais negativo. Penso que não me posso queixar e que, ainda que o preconceito possa ter sido sentido ao longo do tempo, estou certo que tenho sido afortunado neste âmbito, sentindo-me respeitado e aceite. A sensação de não pertença e de julgamento externo é horrível. 

André: Senti preconceito enquanto adolescente mas nunca me importei. Há algum tempo, uma colega referiu alguns factos incorretos e preconceituosos relativamente à questão das casas de banho nos colégios e isso incomodou-me muito, pelo que me afastei dela.

 

DES: E em relação às vossas famílias?

Nuno:  Em contexto familiar senti sempre uma perplexidade por alguma manifestação da minha parte menos masculinizada e senti constante investimento em "tornar-me Homem", principalmente pelo meu Pai. A percepção de nunca conseguir satisfazer aquilo que era esperado de mim é angustiante e ao longo do processo de crescimento fez-me sempre fugir da realidade da minha orientação sexual. Ao mesmo tempo, embora sempre tenha sentido desejo sexual por Homens, fui-me apaixonando por várias grandes amigas, tive algumas namoradas, sempre quis ser Pai e quando pedi a Mãe do meu filho em casamento pensei mesmo que seria para todo o sempre. Entretanto o casamento morreu – não por eu ser gay mas talvez tenha ajudado – e só após cedo ao que sempre fugi e experimentei... resolvido. Isto foi há 10 anos e estou com o André há 9. Toda a minha família sabe, conhece e aceita-nos em pleno. Os meus pais conhecem bem o André, mas como são já bastante idosos não sabiam ainda em pleno da nossa realidade. Estou precisamente nesta fase, em processo de coming out para com os meus pais. Com a minha Mãe já conversei e foi naturalmente uma confirmação quer das dúvidas que ela tinha, quer do amor que sente pelo filho, independentemente da sua orientação sexual, só quer que eu seja feliz. Ao meu Pai estou ainda no processo mas, embora hajam receios, estou esperançado que a reação seja semelhante, já que não quero manter uma omissão que me custa a mim e a todos os que nos rodeiam. Para além destes, a aceitação familiar é plena, com especial enfoque para o meu filho que me e nos aceita.

André: A minha relação com os meus pais, especialmente a minha Mãe, sempre foi um pouco complicada nesse aspeto. Somos muito próximos e durante a adolescência foi difícil. Quando saí de casa para viver com o Nuno, creio que ela sentiu que ou tentava aceitar como podia ou não iria fazer parte da minha/nossa vida, pelo que muito mudou. Mas sinto que ainda há temas que para ela são tabu. O meu Pai está super tranquilo.

 

DES: Houve assim alguma situação em que tenham tido de responder mal a alguém porque essa pessoa passou das marcas?

Nuno: Se houve não me recordo.

André: Não, eu afasto as pessoas da minha vida quando chega a esse ponto.

 

DES: Acham que a comunidade gay, hoje, sente-se mais segura e confiante? Ou não é bem assim?

Nuno: Estou certo que a comunidade está no bom caminho mas, indubitavelmente, com muito ainda por conseguir.

André: Não estou envolvido, pelo que não tenho forte opinião. Sinto que dentro da comunidade há muito esforço por haver aceitação, mas também há muito preconceito, sendo que ainda é pior e mais hipócrita quando observado dessa forma.

 

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©NRC

DES: Houve alguma coisa de que se tenham arrependido de mudar?

Nuno: Não

André: Não

 

DES: Qual é a canção preferida de ambos? E o filme.

Nuno & André: Michael Bublé: You’re nobody ‘till somebody loves you. Filme que possamos indicar neste registo em comum, não temos um selecionado.

 

DES: Para chorar é preciso...

Nuno: Eu choro e emociono-me com frequência, mas sempre por coisas boas, por bons testemunhos, por ovações ou por grandes vozes a cantar.

André: Alguém me magoar profundamente, mas é difícil. Acho que não choro há anos…