#odiaemqueopoemarebentoudochão, Carlos Daniel Marinho
© Carlos Daniel Marinho
Amor, Poemas e Outras Coisas Desatualizadas
espera
aos lábios proibidos, vai o beijo hibernando
até que o tempo lhe ceda a boca sazonada:
assim estará meu corpo de milho esperando
tuas mãos alegres para a quente desfolhada
faites vos jeux
salta de vermelha em casa preta:
a que número cairá desejado?
isto não há mais que jogar à roleta
a esfera do coração viciado
frequent flyer
sangue nas mãos – libertinagem
– impune de se não querer presa:
e teu coração, postal de viagem,
rasgado em dois sobre a mesa
malha [a mote de Shakespeare:
“Quem diria que o velho tinha
tanto sangue dentro de si?”]
de repente no silêncio ensonado do tricot
pica-me o ai aflito de uma urgência de ti
e de pronto perco a malha frágil do coração
que à cautela me foi enovelando a viuvez:
desfeito o peito à laçada no cutelo da agulha
cai-te torto aos pés num fio rubro de infinito,
doendo retomá-lo por saber já de antemão:
não há ponto que nos despeça pela última vez
apelo (do banco dos réus)
que do raça dos parentes tenha o júri pena
e me aceite por paga à impudência penal:
aqui ser o derradeiro apelo pagar à pena
a raça de escrever em ata meu nome mal
mau génio
por teu sentido, coração
foram meus versos a combate
o que era pulso é obsessão
– rima a bater que não bate
dona de casa em casa sem dona
voltará ele para mim?,
pergunto à casa – em vão
a janela diz que sim
mas a porta diz que não
sebastianismos [ou livro de declamações]
quando em chamas no madeiro
pôs já tanto poeta e dissidente
quer a esta nevoaça a lusa gente
do Messias indagar o paradeiro
post-greek uplifting blues
não leves por falso metal tão pesada a fronte:
vê que de um dracma só a sexta parte pede
quem é de ser ofício remar-te por Aqueronte
arioso
[a mote da Cantata No. 156 de J. S. Bach]
sonhar o amor como a outro fado:
um coração que me compassasse
um a que o sangue lhe não secasse
de tanto correr para nenhum lado
Carlos Daniel Marinho