#odiaemqueopoemarebentoudochão, Fábio Barreira Gouveia
© Sara da Costa (com Carlos Daniel Marinho)
Escrevo-te
Escrevo-te sem saber como terminar.
Escrevo-te inspirado nas estrelas passadas, nas estrelas presentes, nas estrelas futuras.
Escrevo-te em tinta, em papel, em carvão, em sangue, em pedra, em coração.
Escrevo-te em sons de noite vazia, em contornos de lua de inverno, em notas de músicas esquecidas, em risos impossíveis de ter, em miados rasgados, vadios, em abraços frios, em sonhos que nunca vou ter.
Escrevo-te com cores de saudade e linhas de perdão, escrevo-te com mágoa, com raiva, com desilusão; com dor, com alegria, com nostalgia, com amor, com teimosia, com solidão.
Escrevo-te. Por entre linhas de arrependimento e parágrafos de confusão. Escrevo-te.
Escrevo-te, sem nada para falar e com tudo por dizer. Escrevo-te de um sítio de noite eterna, de luar perdido, de desejo ardente de quem nunca te viu, nunca sonhou contigo.
Escrevo-te. Palavras que a maresia traz, que me afogam, que me levam. Palavras que nunca ouvi, palavras que jamais plantei, palavras que agora colho, com a nostalgia que nunca te dei.
Escrevo-te. Sem saber quem és, sem saber onde estás. Sem saber o amanhã, sem lidar com o hoje, sem recordar o ontem. Sem saber se mereço a atenção, sem saber se consigo passar a mensagem.
Escrevo-te. Por entre carrosséis de estrelas e sopros de primavera. Escrevo-te.
Esta carta sem fim.
Escrevo-te, para te dizer que descobri. Descobri o que sou para ti e o que és para mim.
És um desejo. Alguns chamam a alguém como tu, um sonho; outros, uma invenção. Mas é-lo.
És, como eu, uma versão do que alguém sonhou ter. És mil e uma versões de ti.
És uma recordação extinta vista pelas estrelas, tal como as estrelas que hoje vemos há muito arderam pela eternidade.
És poeira. És bondade. És pôr-do-sol, és luar de outono, és amanhecer dourado.
És gratidão. És agitação, és música, és arte, és pura emoção.
Escrevo-te. Pois ecoa pelos tempos o teu nome, sussurrado pelo vento, trazido pela chuva, desenhado pelo céu noturno.
Escrevo-te, em toques de alma, em sorrisos adormecidos, em fúria, e em calma.
Escrevo-te, sem saber como terminar.
Fábio Barreira Gouveia