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Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

23 de Fevereiro, 2020

#RAPAZESMALDESENHADOS 1 | Não Tenho Vergonha Da Diabetes

O mundo é visto sempre através de histórias. 
A realidade entre duas perspectivas, uma de ligeireza ondulante e uma outra de peso. A realidade acontece dentro e fora de nós, todos temos duas escolhas possíveis: o problema é compreender qual é a escolha que nos faz sentir bem e evitar aquela que nos faz sentir mal. A boa notícia é ter sempre no pensamento a frase: «Transforma o modo como olhas as coisas e as coisas que vês irão mudar».

O TEMA Diabetes tipo 1

nico 4.jpg©NF


O TESTEMUNHO 
Nicolás Fabian 24 anos, designer gráfico e multimedia freelancer


Aos 12 anos dormia.

            Sentia que crescer cansava e deixava uma pessoa exausta. Talvez fosse a minha cabeça a dar muitas voltas e ter demasiadas ideias criativas como costumava acontecer desde então.

            Mas, certo dia, estranhei ter dormido um dia inteiro. Pedi à minha mãe no dia seguinte para ir ao hospital ver o que se passava comigo. Sem demora foi logo diagnosticado diabetes tipo 1. Não imaginava o que iria acontecer, pensava que seria apenas umas longas horas no hospital e podia regressar ao meu pequeno mundo. Fiquei uma semana inteira internado, não sabia por onde me orientar e como a minha vida iria ser daí em diante. Algo me deixava mais feliz: não ir à escola. Não por ser um aluno que odiava estudar mas para evitar o bullying que sofria na altura.

            Passava pela minha cabeça como poderia contar aos meus pais que para além de diabético era homossexual, nessa minha cabeça de pré-adolescente dizer o que era sem qualquer represália era raro, habituado a que me apontassem o dedo na escola.

            Passaram anos com a doença e aos meus 16 anos conto aos meus pais que sou gay, conto depois de ter passado três anos de bullying na escola e de notar que ser gay não é nada negativo, é apenas ser quem sou sem qualquer máscara. Risos por parte da minha mãe a me ver chorar, por sentir uma pressão social exterior, algo que não tinha em casa; a minha irmã apenas curiosa, mas feliz e um pai que o importante era apenas a minha felicidade e bem estar. Sorte!

Não me posso queixar do meu seio familiar e de todo o apoio e ajuda que tive, tanto na aceitação de quem sou como também da minha profissão e conquista dos meus sonhos, nunca existiram barreiras em casa. Estranho! Posso dizer, num meio tão pequeno como Anadia, parecia que vivia em dois mundos, ora num mundo livre (em casa) ou num mundo opressor (escola/rua).

            A rua era de facto um terror para mim, não só na escola gozavam comigo como também na rua, onde pessoas com uma forma/maneira de pensar e ver a vida murmuravam e até mesmo se riam na minha cara.

            Olhava ao espelho e sempre questionava o porquê dos risos e porque tantos comentários quando na realidade era um rapaz normal/básico, com ligeiros problemas de auto-estima. O encontro entre a doença e a homossexualidade ocorreu quando fico dependente de uma máquina de insulina, onde, diariamente tenho um penso na minha barriga (um cateter). Por momentos tinha vergonha de mostrar o meu corpo, sentia que era feio ou com alguma anomalia. Sempre que tirava a t-shirt tinha questões como: O QUE É ISSO? Ou até mesmo WOW, NUNCA VI! COMO FUNCIONA?

            As pessoas são curiosas por natureza e essas questões eram inevitáveis, sempre levei na desportiva, mas quando estava sozinho pensava porque tinha que ter isso ligado a mim.

            Agora tenho 24 anos, não tenho vergonha do meu cateter e muito menos da minha homossexualidade, marcho por ambas as situações que tanto me orgulho. Sim, orgulho porque sem a minha doença e sem ser quem sou não teria conquistado, não tinha conseguido vencer certos os obstáculos que me tornaram forte, e a acreditar que com vontade e com sonhos tudo na vida é possível!


A CAUSA 

A Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (#APDP) lançou uma petição ( Quantos somos com diabetes Tipo 1? ) para levar o Ministério da Saúde a criar um registo nacional de diabetes tipo 1.

Para o presidente da associação, José Manuel Boavida, "um registo nacional actualizado que permita a aquisição de mais e melhor conhecimento científico sobre a real dimensão da diabetes, permite pensamento crítico para uma melhor definição das políticas de saúde relacionadas com a doença e para o enquadramento de novas perspectivas terapêuticas a nível imunológico e tecnológico".

 

A CIÊNCIA Dra Ana Luísa Leite  Pediatra, Colaboradora na Unidade de Endocrinologia e Diabetologia Pediátrica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho. 

 

DES: O que está por detrás da diabetes tipo 1?

Dra Ana Luísa Leite: A diabetes mellitus tipo 1 é uma doença maioritariamente autoimune, ainda de causa de desconhecida. Isto é, o organismo a dado momento começa a criar anticorpos que vão destruir as células beta pancreáticas, que são as responsáveis pela produção de insulina. A causa para esta produção anormal de anticorpos ainda não está identificada, daí ainda não existir uma forma eficaz de travar o processo e assim "curar" a doença ou melhor, evitar a sua instalação. 

 

DES: Como se manifesta a doença?

Dra Ana Luísa Leite: Os sintomas vão se instalando gradualmente e vão aumentando a sua gravidade. O mais comum na fase inicial é a sede, uma sede desmesurada que faz com que se beba água a toda a hora e meio da noite. Surge nesta fase também a poliúria, ou seja a urina excessiva, que faz com que muitas crianças voltem a molhar a cama de noite (quando a maioria já não o fazia há anos). Outro sintoma muito comum é o emagrecimento, súbito e geralmente significativo. O emagrecimento é tão mais acentuado à medida que o tempo passa. Por fim instala-se o cansaço, o mal-estar/náuseas, vómitos e muitas vezes a alteração de comportamento, que em última instância pode conduzir ao coma.

 

DES: Não há uma idade para o aparecimento da diabetes tipo 1?

Dra Ana Luísa Leite: A DM1 é uma doença que tipicamente atinge a criança e o adulto jovem, embora os extremos etários tenham aumentado a sua incidência, nomeadamente o número de crianças com menos de 5 anos com dM1 tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas.

 

DES: Quais sãos os procedimentos após o diagnóstico?    

Dra Ana Luísa Leite: Após o diagnóstico é necessário a estabilização clínica com tratamento com soros e insulina dado o estado de desidratação inicial. Depois é necessário iniciar o ensino do doente e da família em como se avalia a glicemia capilar (o açúcar no sangue), como se interpretam os resultados e a dose e forma de administrar a insulina. Também se ensina o doente a "contar hidratos de carbono", ou seja a avaliar o impacto que cada alimento vai ter na sua glicemia e ensina-se a actuar nas situações de hipo ou hiperglicemia, para serem capazes de voltar à sua vida quotidiana. 

 

DES: Quais as mudanças, no dia a dia, mais notórias  para o diabético? 

Dra Ana Luísa Leite: A necessidade de planificar as refeições é fundamental, assim como a avaliar a sua glicemia antes de todas as refeições e administrar sempre insulina antes de comer. Só com uma vigilância intensiva se consegue um ótimo controlo glicémico.

 

DES: É mais fácil para o doente quando a diabetes é diagnosticada na infância?

Dra Ana Luísa Leite: Quando o diagnóstico é na infância a família assume o papel de cuidador e geralmente as crianças deixam-se orientar. Logo, o "peso" do diagnóstico passa muito para os pais e a criança habitua-se mais facilmente às novas rotinas. No entanto, ao chegar à adolescência a situação torna-se mais problemática, porque o doente começa a fase de revolta, quer ser igual aos pares e muitas vezes torna-se negligente no tratamento. Não há idades fáceis para o diagnóstico de uma doença que vai implicar tantas adaptações no dia-a-dia, mas a forma como é encarada pelos cuidadores e amigos influencia em grande parte a aceitação.

 

DES: Não há como prevenir a doença?

Dra Ana Luísa Leite: Não. Como não se sabe a causa ainda não se consegue fazer uma prevenção. Apenas podemos estar atentos aos sintomas e conseguir fazer um diagnóstico mais atempado. 

 
 
 

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Nota

#rapazesmaldesenhados é a nova rubrica do blogue.