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Depois em Seguida

CULTURA | MUNDO | ENTREVISTAS | OPINIÃO

13 de Abril, 2020

Ricardo Correia

Por Amaro Figueiredo 

Ricardo Correia é escritor, formado em Engenharia Civil, lisboeta e tem um paixão inquestionável, que une miúdos e graúdos, legos. Aproveita todas as oportunidades para fazer investigação histórica – outra paixão – que o estimulem a aprender coisas novas.

Em breve, irá lançar o último volume da trilogia “O Regresso do Desejado”* e está a preparar a sua adaptação para uma série de TV.   

*Corre o ano de 1578. Portugal treme com a notícia da derrota do exército em Alcácer-Quibir, frente às tropas do sultão marroquino. O desaparecimento de Dom Sebastião lança a incerteza sobre quem se segue no trono. 

Lançou (2017) “O Segredo dos Bragrança”, «um apaixonante romance que nos leva a conhecer a fascinante Casa de Bragança, desde os tempos da Rainha D. Catarina até ao reinado de D. Carlos e que mostra que a História como a conhecemos esteve muito perto de ser completamente diferente».

 

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©RC 

 

DES: Quando é que surgiu essa vontade de ser escritor?

Ricardo Correia: Mesmo a sério, penso que por volta de 2013. Até então, tinha sido sempre um bom aluno na disciplina de Português, sempre gostei de ler. Tive várias professoras durante os anos do ensino Preparatório e Secundário que incentivaram à leitura, e recordo-me particularmente por volta do sexto ano de escolaridade, de uma professora de Português que nos emprestava livros para que os lêssemos e fizéssemos trabalhos sobre eles. Recordo com particular carinho nessa época a leitura de “O Ano da Peste Negra” da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, com quem tinha tido já o contacto literário na série de livros “Uma Aventura…”. Poucos anos depois, ainda no âmbito de trabalhos escolares cheguei a escrever algumas histórias curtas, contos, mas nada disso chegou a ser publicado. Depois, com os vários anos de curso superior, acabei por deixar de lado a escrita, que só retomei como disse, já em meados de 2013. Por essa altura, tinha começado a escrever novamente pequenas histórias e reflexões num blog que entretanto foi desativado e que levaram muitos amigos a incentivar-me a escrever histórias mais longas. Numa agradável tarde de primavera, sentado numa esplanada em frente ao Palácio de Queluz, surgiu-me a idéia para uma história e comecei a escrever as primeiras linhas do que viria a ser o meu primeiro livro, “O Segredo dos Bragança”. Tinha desenvolvido entretanto um gosto pela pesquisa e fixei-me por essa altura num dos meus períodos históricos preferidos e sobre o qual sabemos ainda muito pouco: o regicídio. Descobri nesse período que havia muito o que contar, o que me dava espaço para incluir algo dentro do simples registo histórico… e foi assim que nasceu o primeiro livro, como um Romance Histórico. Claro, uma das coisas que mais gosto é de conversar e de contar histórias. Poder assim partilhá-las com o público é ainda melhor.    

 

DES: Porquê voltar à nossa história, a monarquia portuguesa,  para criar?

Ricardo Correia: A História de Portugal está cheia de possíveis inspirações para criar histórias. Até agora tem sido na Monarquia, mas poderia ter sido já algo na República, como penso em alguma ocasião poder vir a fazer. A nossa História é rica em episódios que estão mal explicados, ou sobre os quais acaba por cair o manto das lendas, o que propicia bons motivos para explorar mais as épocas e criar as tais pequenas histórias que depois se unem para dar um livro. Poderia criar uma obra de ficção, um conto, outra coisa qualquer, mas aliando o meu gosto pela investigação ao gosto de contar histórias, criar algo tendo o suporte da moldura histórica facilita bastante.

 

DES: Onde buscas outras inspirações para escrever?

Ricardo Correia: Em muitos lugares, ocasiões, situações… Depende muito. Quando escrevi “O Segredo dos Bragança”, a minha primeira intuição foi criar uma história familiar que se passasse ali mesmo em Queluz, por isso posso dizer que o ambiente palaciano foi uma inspiração. Mas ao longo da criação do livro, passei por um dos típicos “bloqueios de autor”. Cheguei a um ponto na história em que o caminho das personagens não me satisfazia e era preciso desenvolver a narrativa. Esqueci o assunto e segui em frente. Deixei por um tempo a história de lado. Até que um dia, em visita à fortaleza de Evoramonte, no Alentejo, encontrei a inspiração que precisava e o livro ganhou novo fôlego.

Com o segundo livro, “O Regresso do Desejado”, o trabalho e a inspiração foram um pouco diferentes. Durante as pesquisas para o que viria a ser “O Segredo dos Bragança”, incidindo principalmente na quarta dinastia de Portugal, encontrei muitas referências ao que estava para trás e sobretudo à dimensão quase “messiânica” de D. João IV, primeiro da Dinastia de Bragança e que se assumia como o regressado D. Sebastião. Claro que isso me levou a procurar as raízes do próprio Sebastianismo português… Ainda não tinha feito a publicação de “O Segredo dos Bragança”, quando me surge a idéia de escrever um novo livro. E que foi inspirado dentro de um autocarro, contornando a rotunda do Marquês de Pombal em Lisboa… E as inspirações para este livro acabaram por aparecer de muitos mais lugares e de muito mais situações. Um pouco de norte a sul de Portugal… e não só. Já que Toledo, Sevilha e São Lourenço do Escorial em Espanha, foram também muito importantes no desenvolvimento desta história.

 

DES: Gostas de ler e saber coisas novas. Ainda há pouco tempo o Alfredo da Silva, o industrial português, foi a tua base de pesquisa.  Se conheceres mais contextos históricos melhor é o livro, ou a história?

Ricardo Correia: De todas as formas de conhecer, ler é a melhor. Alfredo da Silva é uma personagem interessante. Nascido na Monarquia, desenvolvido já na República e falecido no período da ditadura do Estado Novo, atravessa o tal período dos mais interessantes da nossa História e do qual falava anteriormente. Quanto melhor conhecer a História de um determinado período, mais fácil e mais fluido se torna o livro. Dentro do género do Romance ou da Ficção Histórica, se não tivermos uma boa base que coloque o leitor “dentro” da História, podemos criar à partida uma coisa que dá a entender que é falsa, que é fantasiosa e com isso afastar o leitor. Daí a importância da pesquisa, mesmo que caminhemos pela Ficção.

 

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©RC 


DES: A construção de personagens, sobretudo aquelas que nós conhecemos da história, assusta-te?

Ricardo Correia: Confesso que depende da personagem. No primeiro livro, “O Segredo dos Bragança”, não me aconteceu. As personagens que conhecemos da História estavam como eram, sem tirar nem pôr. Já com o segundo livro, pois encaro a trilogia como um livro apenas, foi muito diferente. Nos três volumes de “O Regresso do Desejado” o maior dos desafios foi criar a personagem de D. Sebastião. O “rei-desejado” é visto pelos seus biógrafos como um produto de sucessivos cruzamentos familiares. Com problemas sanguíneos, de saúde mental… Para o tornar o protagonista, havia que desconstruir toda a imagem biográfica, ainda mais que em Portugal o fazemos quase sempre de um ponto de vista que roça o místico. Posso por isso dizer que foi realmente a personagem que mais me assustou a criar, sem dúvida alguma.

 

DES: E como é o teu processo de escrita. Tens algum ritual?

Ricardo Correia: Não tenho nenhum ritual de escrita. Escrevo sempre que me apetece e onde calha. Ando sempre equipado com um bloco de notas e canetas ou lápis, faço anotações e registo ideias. Já cheguei a anotar a ideia para uma personagem na aplicação do bloco de notas para telemóvel. A única coisa que tento sempre fazer é escrever primeiro à mão. Registo sempre as ideias, escrevo algumas frases que fazem sentido. Depois passo-as ao computador e aí sim, a narrativa vai-se desenvolvendo. Esse é o meu processo de escrita.

 

DES: Quais são os desafios da escrita?

Ricardo Correia: O maior dos desafios para mim é ser credível. Reconheço que sou o meu pior crítico, portanto o primeiro leitor a quem uma história tem de convencer é a mim. Em Portugal, o desafio da escrita é muito grande e por vezes mesmo inglório. Há uma espécie de sentimento generalizado que quanto maior é a projecção de um autor, ou quanto melhor é o marketing que o rodeia, melhor é a qualidade. E nada pode ser mais errado que isso. Temos de gostar do que escrevemos, pois só assim transmitimos com clareza as nossas ideias. Quanto mais adequados nos sentirmos, maior naturalidade teremos no contacto com os leitores e com mais facilidade os fazemos envolverem-se na narrativa.

 

DES: Acreditas na escrita de causas?

Ricardo Correia: Nos tempos que correm, a escrita de causas é apenas mais uma. Esquecida, na maior parte das vezes, quando deveria ter realmente uma grande importância, como forma de chamar a atenção para problemas que se colocam muitas vezes. Recordo um colega de Editora, que pelo seu passado jornalístico escreveu um livro contando a difícil viagem de refugiados entre o seu país de origem e as portas da Europa. Fazem falta na literatura obras com esse tipo de visibilidade, para chamarem a atenção sobre os problemas que muitas vezes ignoramos. Eu não seria capaz de me lançar na escrita de um livro assim, pois não sinto que de alguma maneira seja uma área em que me sinta à vontade para o fazer.

 

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©RC

DES: Andas a preparar uma adaptação dos teus livros. Podes falar um bocadinho sobre isso.

Ricardo Correia:  Neste momento, pouco ainda posso adiantar sobre isto. O meu livro mais recente (a trilogia “O Regresso do Desejado”) foi descoberto quase por acaso, por um produtor americano, apaixonado pela História de Portugal. Contactou-me, pedindo que fosse eu a fazer a adaptação do livro para um guião de série de TV. Todo este tempo, a trabalhar na pré-produção da mesma, tem sido essencialmente um período de descoberta e de aprendizagem, pois houve algumas coisas que apenas comecei a descobrir durante a escrita do último volume e também dos preparativos para a série. Mas sobre a adaptação para série de TV, acredito que terei depois oportunidades para poder falar melhor sobre ela, logo que as condições o permitam. Posso apenas acrescentar para já que tem sido um trabalho entusiasmante. E a ideia de colocar rostos nas personagens e recriar um passado Português que não existiu (“O Regresso do Desejado” é uma ficção histórica) é muito motivador.

 

DES: És um frequentador assíduo de museus, suponho...

Ricardo Correia: E gostaria de ser muito mais. Tento sempre visitar museus que de alguma maneira me digam alguma coisa, ou que estejam relacionados com temas que posso usar como pesquisa. É para mim uma forma de aprender, rentabilizando o tempo disponível. Há muitos e bons museus que merecem uma visita demorada pois permitem-nos aprender todas as coisas que não aparecem escritas nos livros de História.  

 

DES: O que é o amor?

Ricardo Correia: Um sentimento que eu acredito que não pode ser somente expresso por palavras. A tentação de descrever o amor é muito grande e não foram poucos os que o tentaram. Em palavras, e na minha opinião, a melhor definição do amor é a que dá Camões nos seus sonetos (“Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente/É um contentamento descontente”), mas ainda assim não é suficiente. O amor é muito mais que uma simples expressão linguística ou uma frase. São todos os gestos no mundo que expressamos com carinho e com sentimento.

 

DES: Qual é tua opinião sobre a ligação de Luís de Camões a D. Sebastião?

Ricardo Correia: Não quero de maneira alguma entrar aqui numa linha de erudição. Camões foi um soldado ao serviço de D. João III, avô de D. Sebastião. Era um poeta e tanto quanto se sabe um mulherengo, tendo isso levado o poeta por diversas vezes ao cárcere. Mas com o nascimento e o reinado de D. Sebastião e Camões de regresso a Portugal, as más-línguas, as intrigas e tudo o resto sobrepõem-se à própria “verdade histórica”. Camões dedica ao rei “Os Lusíadas”, fruto de um grande amor ou de uma grande devoção, o rei atribui-lhe uma tença (rendimento) anual bastante avultado para a época. Com a derrota dos portugueses em Alcácer-Quibir, Camões acabaria por morrer quase na miséria sem que essa tença alguma vez tivesse sido paga. É já D. Filipe I (de Portugal, II de Espanha) que vai enterrar de vez o poeta, porque não era de forma alguma conveniente a um monarca espanhol que queria cimentar o seu poder junto dos portugueses, ter uma voz dissonante como a de Camões. Se houve alguma relação com maior ou menor intensidade entre Camões e o Rei… talvez possa ser assunto para algum livro futuro.

 

 

DES: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?

Ricardo Correia: Gostava, para começar de transformar os meus livros em best-sellers. (Espero poder continuar a trabalhar para isso ao longo dos próximos anos). Mas esse é talvez o maior dos sonhos. Por concretizar, não sei. Costumo dizer que o futuro é algo que preparamos dia após dia. Todos os passos que der, abrem diferentes possibilidades, permitem diferentes futuros. O que tiver de acontecer, é deixar acontecer.

 

DES: E o futuro?

Ricardo Correia: O futuro está por agora reservado. Em breve, lançarei o último volume da trilogia “O Regresso do Desejado”, que fica assim completa. Continuarei a viajar de norte a sul, do litoral ao interior de Portugal, onde haja alguém que quer falar comigo, conhecer a minha obra, saber mais sobre o que escrevo. Em breve, irei fazer uma pausa nos livros (desde 2017 que tenho lançado um livro por ano) para me poder dedicar à adaptação da trilogia para uma série de TV. Até lá, continuarei a aprofundar o conhecimento sobre a História de Portugal, para que quando estiver em condições de escrever um novo livro, o possa fazer com toda a segurança do que estou a escrever.